Heterodoxia I, 1949 Coimbra, Coimbra Editora
Eduardo Lourenço é um jovem assistente e encarregado de curso de Filosofia da Universidade de Coimbra, discípulo do Prof. Joaquim de Carvalho e actualmente leitor na Universidade de Bordéus, “Jovem” é um qualificativo antipático aos jovens, que o ser jovem é tensão para a maturidade à vista. Mas quanto traduz a verdade dos anos e a consequente situação na carreira, que remédio senão empregá-lo? Já se vai ver, como esta juventude de Eduardo Lourenço se resolve num grande ‘partido’ para a sua produção filosófica, iniciada por escrito nesta Heterodoxia há meses publicada.
O livro é uma primícia ainda com vestígios escolares, mas tão delidos ou superados que ninguém tal diria […] Preferimos, pois, fazer incidir o que dissermos nos dois ensaios iniciais do volume e no seu Prólogo definitivo que versa o “espírito da heterodoxia”. Esse Prólogo é uma página especulativa e simbólica, em que Eduardo Lourenço desfere elegante e certeiramente as suas setas de frecheiro. É ela que nos dá de entrada a medida da propriedade de um estilo de pensamento e as linhas adiantadas desse pensamento mesmo, embora ainda cálidas do “amor intelectual” que as ditou. Esse calor, um tanto nefasto à claridade do pensado, impõe o pensador como uma personalidade que se encontra dramaticamente no ‘mito germânico de Midgar, a serpente que morde em círculo a sua própria cauda’. Midgar é, para Eduardo Lourenço, o símbolo da Heterodoxia, que não significa para ele o outro polo da ortodoxia ou verdade única, mas, dialecticamente, o pensamento e a vivência de uma dualidade doutrinal […]
Vitorino Nemésio