Grenoble, Nice e Vence, 1960

biografia

1959 Regressa a Montpellier

1960-65 A convite do Governo Francês é leitor independente de Língua e Cultura Portuguesas na Faculdade de Letras da Universidade de Grenoble

1965 É “maître-assistant” e professor associado na Faculdade de Letras da Universidade de Nice

1966 Adopção do filho Gil

1973 Professor convidado da Universidade Nova de Lisboa onde dirige um Seminário de Literatura Contemporânea

1974 Fixa residência em Vence (Alpes Marítimos); é convidado pelas Faculdades de Letras de Coimbra, do Porto e de Lisboa para nelas exercer funções docentes mas declina esses convites

1975 É convidado por Vítor Alves, ministro da Educação do VI Governo Provisório, para assumir a pasta de ministro da Cultura, convite que recusa

1978 Adere à União de Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

1980 Com outras personalidades apoia a candidatura do general Ramalho Eanes à Presidência da República

1985 Apoia a candidatura de Maria de Lourdes Pintassilgo à Presidência da República e a de Mário Soares na segunda volta das presidenciais
Com mais doze intelectuais subscreve um documento apoiando a formação de um novo partido político, o PRD

1986 É “maître de conférences” associado na Faculdade de Letras da Universidade de Nice

1989 Jubila-se da Faculdade de Letras de Nice e é nomeado, pelo Governo Português, Conselheiro Cultural junto da Embaixada de Portugal em Roma, cargo que ocupa até 1991

1992 Em colaboração com Pierre Botineau, e com fotografias de Jean-Luc Chapin, publica Montaigne 1533-1592, Centre Régional des Lettres d’Aquitaine/L’Escampette Éditions, que encontra largo eco em França

2002 É nomeado Admnistrador (não executivo) da Fundação Calouste Gulbenkian

2010 Passa a residir entre França (Vence) e Portugal (Lisboa)

2013 Morre Annie Salomon de Faria; radica-se, definitivamente, em Lisboa

Sobre Nice

“Se eu quiser ser honesto – e certamente que o desejo ser – confesso que nada tenho a dizer de muito pessoal sobre Nice. Como toda a gente aprecio o cenário, fico feliz pelo seu famoso azul. Mas não o poderia assinar como Yves Klein que é filho do azul de Nice. Nunca fui em França um emigrante nem um emigrado. Apenas rigorosamente um migrante. Nice é a cidade ideal para esse facto. Um pouco como Trieste ela coloca-se entre dois mundos e não como uma cidade de vocação turística. Devido a este facto podemo-nos sentir em Nice completamente estrangeiros. Mas é difícil, salvo para os que nela tem raízes desde há muito tempo, de nos sentirmos enraizados. Eu creio que foi Platão que comparou o homem a uma árvore cujas raízes crescem para o céu. Vivo nesta região desde há dezoito anos, vivi em Nice nove anos mas as minhas raízes aqui – se é que posso falar de raízes – cresceram para o céu não para o que há de profundo nesta terra e que eu aprendi a conhecer sobretudo com as recordações de um verdadeiro “niçois” como o é Max Gallo, velho amigo meu.
Uma cidade são as ruas, as praças, os recantos de sonho. E há-os em Nice... Habitei perto de Cimiez onde se respira ainda um ar antigo e uma doçura italiana nos jardins do seu mosteiro. Gosto muito também da ‘velha’ Nice, da Praça Garibaldi a mais italiana desta cidade tão pouco francesa. Mas uma cidade são também os rostos, as pessoas e eu nunca tive ocasião de me misturar de forma verdadeira com os habitantes de Nice. E ainda menos desde que tenho casa em Vence. Nos anos em que residi em Nice – de 1965 a 1974 – a França vivia ainda sob a sombra de De Gaulle e o que acontecia em França dizia respeito ao mundo. Foi aí que vivi Maio de 68, uma das experiências mais estranhas por que passei. Durante um mês Nice tentou integrar-se na história deste país. Maio 68 foi um fenómeno quase universal. Mas passado um mês a cidade de Nice voltou ao que era antes: cidade fora da grande história, voluntária em estar fora do tempo, paraíso para os últimos dias de pessoas ricas, ou friorentos franceses, do resto da Europa, do resto do mundo. No fundo porque toda a gente aqui é migrante como eu.
O enraizamento não se faz em relação a esta grande cidade completamente voltada para o seu próprio exterior. O que eu gosto é do “ancien pays”, a sua paisagem seca, a sua história, as pedras antigas, já um lado provençal tão semelhante à nossa terra. Em todo o caso da minha, que nada tem a ver com o mar mas com a aridez do planalto que se prolonga por Castela. Eu gosto destas pequenas cidades, construídas à escala humana, vivas, ainda fraternas, como Vence”
Cidade de negócios, cidade do jogo, do prazer, enfim tão provinciana. de Alexandre Herzen, o grande polemista e revolucionário do séc. XIX, a Graham Green passando por Nietzsche, Tchecov ou Panait Istrati
(tradução livre do ms. inédito, inacabado, escrito a tinta azul, com apontamentos finais o que pressupõe uma posterior conclusão do texto, não verificada)

A mesa de trabalho 'organizada' de Eduardo Lourenço na sua casa de Vence
“Eduardo Lourenço vive em Vence, no sul da França, numa casa iluminada pelo sol provençal, a 400 metros da capela Matisse. Poderia dizer-se que vive no paraíso europeu, refúgio de génios e artistas à procura do calor e da luz meridional. Um lugar incensado pelo aroma das oliveiras e laranjeiras, protegido pelos ciprestes cortados em cerca, que plantou com as mãos de intelectual – “Suei muito, nunca mais trabalhei tanto na vida” – e pelos livros de uma biblioteca que já alagou o telheiro e a garagem e ameaça inundar o resto da casa. A casa está guardada por um cão electrónico, que ladra…mas não morde. É um alarme original, como tantas coisas na vida deste homem que muito antes de muitos outros já meditava e escrevia sobre a Europa.”
Clara Ferreira Alves “Uma certa ideia da Europa” in Expresso, Sábado, 27/3/1993, p. 46-R


Alguma fotografias do exterior da casa de Vence e do jardim criado por Annie de Faria
JMS - Na sua carreira como professor passou por várias cidades (Hamburgo, Heidelberg, Montpellier) mas está há mais de 20 anos em Vence, no Sul da França. Foi uma escolha pessoal?
EL - Na minha vida há poucas escolhas. Deixei-me escolher. Não tenho a pretensão de ter sido escolhido. Estou em Vence por força do acaso. Ao tempo era leitor de português, havia casado em França, a minha mulher já tinha o seu lugar e eu fui para o sítio onde me ofereceram a possibilidade de ganhar, modestamente, a minha vida.

“Eduardo Lourenço” entrevista por José Mário Silva in Diário de Notícias - Sábado, 21/3/1998