Fernando, Rei da Nossa Baviera, 1986 Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda
“Não sabemos exactamente porque vias o destino do amigo exaltado de Wagner, o Rei-virgem cantado anteriormente por Verlaine, tornou-se para o jovem Pessoa objecto de um fascínio que chegou à identificação quase mística. Somente constatamos que encontro houve, e dele dá testemunho o extraordinário poema em prosa “Marcha fúnebre para o rei Luís segundo da Baviera “hoje incluído na complexa pós-simbolista que leva o nome de O Livro do Desassossego. […] Não sabemos bem quem o destinatário da mensagem da Morte, portadora de paz, de sossego, romanticamente assimilada à “noite vasta maternal, esplendor incorruptível do abismo profundo”. Na realidade, ela é o ponto de encontro da palavra de Pessoa, fascinado por esse apelo do nada, e da do seu duplo, esse Luís da Baviera que encarna o amante perfeito da morte. As duas vozes soam indistintas. Confundindo-se com o rei do Sonho, Pessoa pode descer com ele às águas de um lago bem mais fundo que o de Starnberg. As duas formas da melancolia – a paroxística de Luís da Baviera, e a sonhada e sublimada de Fernando Pessoa – interpelam-se mutuamente, como num duo digno de Wagner, que melhor do que ninguém havia celebrado, num canto de doçura venenosa, o casamento da Melancolia e da Morte.

Uma das explicações para esse improvável encontro ente o jovem Pessoa e o fantasma de Luís das Baviera conduz-nos justamente à órbita de Wagner. Não podemos esquecer que o pai do poeta era crítico musical do principal jornal de Lisboa, na altura em que Wagner e o wagnerismo eram ainda uma espécie de religião estética. Acrescentemos a isso o seu profundo conhecimento do simbolismo, tão ligado a Wagner e à sua mitologia, essa mitologia que Luís da Baviera viveu como uma religião.”

Eduardo Lourenço “Dois Príncipes da Melancolia” in Mitologia da Saudade seguido de Portugal como Destino, 1999 São Paulo, Campo das Letras, pp. 75-77.