As Saias de Elvira e Outros Ensaios, 2006 Lisboa, Gradiva
LQ - A propósito de “Eros” as poucas reacções que vi ao seu último livro As Saias de Elvira, levam-me a pensar que ele foi recebido com uma ligeira perplexidade….
EL - Sim, sim, desde o título. Devem ter pensado: mas isto é um erotismo serôdio, este tipo não está bem da cabeça. A verdade é que eu dei um curso em Providence sobre “Eros e Cristo”, que ia desde Almeida Garret até Jorge de Sena. Esse é que tenho pena de não estar publicado, mas, como foi oral, tenho de o escrever; e não tenho paciência.

LQ - As Saias de Elvira reúne textos sobre vários escritores, mas é clara a sua predilecção por Eça.
EL - Foi o primeiro autor moderno que li. Tinha chegado a Coimbra, à Faculdade de Letras, e um dia, como eu levava um livro debaixo do braço, um camarada perguntou-me o que eu estava a ler. “É um romance: “Nossa Senhora de Paris”, de Victor Hugo. Ele disse-me: “O Hugo não é um romancista”. “Ai não? E quem é que é?” Respondeu-me que romancista era o Eça de Queiroz. Fui directamente dali à biblioteca procurar esse tal Eça de Queiroz. Comecei pelo O Primo Basílio e fiquei logo elucidado para o resto dos meus dias. O Eça é uma referência fundamental para toda a minha geração. Ele morre em 1900 e, embora já fosse célebre, é então que a Pátria realmente o descobre. A partir daí, em Portugal, é tudo mais ou menos queirosiano. A “Presença” marca depois uma certa reacção. É visível que a grande referência do Régio é o Camilo. E o Torga idem aspas: gostava do Eça, e até andou a comprar uma cadeira que tinha sido dele, mas aquele Eça escarninho, muito Fradique Mendes, não ia lá muito bem com o seu telurismo. A minha geração tenta recuperar essa outra geração para quem a questão social tinha sido importante. Naqueles desfiles da Queima das Fitas, andávamos por lá, já bem bebidos, com uns cartazes a dizer que éramos a nova geração de 70.

LQ - Em As Saias de Elvira também realça a modernidade de Eça, por contraste com a dos seus companheiros geracionais.
EL - A diferença entre o Eça e os outros é que era o mais viajado. Chegou a França quando já conhecia bem a América. A sua visão era muito cosmopolita. Todos os outros são mais provincianos, na ordem dos sentimentos e na maneira de ser. O Eça teve também duas fases, porque depois quis regressar ao ninho paterno. Mas viveu, de facto, a crise universal da civilização, e interessou-se por tudo. Era um homem muito inteligente, e com uma graça que nenhum dos seus companheiros tinha. O Oliveira Martins, ao lado dele, é um provincial. Como eu.
In “Eduardo Lourenço. Retrato de um Pensador Errante” entrevista de Luís Miguel Queirós, Pública, 13/5/2007, pp. 40-51.