Costa Barreto
(1914-1973)
Vila Barreto
Valbom – Gondomar
4/7/957
Meu bom Amigo:

Escrevo-lhe a correr para lhe dar a triste notícia de que a Censura, após ter suspendido o seu artigo sobre o Lorca1, acabou por cortá-lo. As provas ficaram em m[eu] poder. Não lhas remeto com receio de se extraviarem. Entretanto, ficam ao s[eu] dispor. Talvez que você consiga publicá-lo noutra banda. Diga-me se deseja que o envio para outro lado. O artigo é de muito interesse e oportuno. Pena será que fique atreito ao silêncio.
O s[eu] artigo sobre o Simões2 foi uma bomba, principalmente em Lisboa. Quando me envia o II? Quer fazê-lo até 20 do corrente? Fazia-me jeito, tanto mais que esta é a época em que luto sempre com a falta de original.
E, por hoje, rogando apresente os meus respeitosos cumprimentos a sua Exma. Esposa, sou o Amigo grato e sempre às ordens
Costa Barreto

P.S.: As suas massas continuam em depósito na Administração do jornal. Quer que lhas mandem?

1 Federico García Lorca (1898-1936), poeta e dramaturgo assassinado por milícias nacionalistas no início da Guerra Civil Espanhola.
2 João Gaspar Simões (1903-1987), crítico literário, ensaísta e romancista, fundador da revista Presença e autor de Vida e Obra de Fernando Pessoa.
A correspondência que Costa Barreto, responsável pelo suplemento Cultura e Arte do jornal O Comércio do Porto, dirigiu a Eduardo Lourenço constitui um dos conjuntos mais numerosos e coesos do respectivo acervo. De 1955 (data em que Eduardo Lourenço foi convidado a colaborar com O Comércio do Porto) a 1973, contam-se 102 cartas. A carta anexa ilustra bem o poder discricionário da Censura, impondo alterações e proibindo a publicação de artigos. Acerca do clima político de então, escreverá mais tarde Costa Barreto «[a] sucessiva partida de alguns dos nossos maiores valores intelectuais para o estrangeiro, coloca-me numa posição difícil, pois não os posso substituir com facilidade no Supl.º. Ainda há pouco largou o Sena para o Brasil e agora parece caber a vez ao António José Saraiva, que vai para o Colégio de França. É triste não é?» (Valbom – Gondomar, 5 de Outubro de 1959).