Mário Soares
(Lisboa, 1924 - Lisboa, 2017)
Mário Soares

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006

Caro Amigo,

Venho agradecer-lhe, uma vez mais, ter aceite pertencer à Comissão de Honra da minha Candidatura. Foi um acto de solidariedade – e uma honra – que não esqueço.
Como sabe, assumi por completo, como devia, a responsabilidade da derrota. Com absoluta tranquilidade e fair play democráticos. Em democracia as eleições perdem-se e ganham-se. O Povo é soberano e é «quem mais ordena».
Reconheço que a mensagem que procurei transmitir ao Povo Português não passou bem e que cometi erros de apreciação, dadas as circunstâncias e o momento grave que atravessamos. Na verdade, nos tempos pouco exaltantes que correm, com o egoísmo dominante do «salve-se quem puder» e o idealismo político em estado de hibernação, não é popular fazer a defesa da democracia representativa, do regime dos partidos e da dignificação da Política e dos políticos. Mas nem por isso, deixará de ser necessário fazê-la.
Acresce que os portugueses, em geral, estão desiludidos e desorientados, quanto às suas expectativas de futuro. Sentem dificuldades de vida crescentes, têm o sentido agudo de viverem no país, económica e socialmente, mais desigual da União Europeia dos Quinze – o que afecta muito a sua coesão social – e não vêem, com facilidade, quais os horizontes de esperança que se lhes oferecem. A situação internacional, tão complexa e desregulada, também justifica algum desnorte.
Tudo isto – e seguramente mais – terá facilitado o apelo subliminar ao mito de um salvador e a aceitação, como voto de protesto, de uma certa demagogia anti-partidos e anti-política.
Enfim, «só é vencido quem desiste de lutar», como disse na minha declaração final. Por mim, não desistirei, apesar da idade, mas, obviamente, no plano cívico e da reflexão política.

Renovo-lhe os meus agradecimentos e envio-lhe um abraço solidário
Seu amigo e admirador,
Mário Soares
Descrita por Eduardo Lourenço como «interessante», a carta de Mário Soares aqui reproduzida é apenas uma das 30 missivas enviadas pelo político socialista durante diferentes fases da vida (1972-2014). Eduardo Lourenço conheceu Mário Soares quando este último estava exilado em França em 1972, mantendo desde então uma relação que ultrapassou a cordialidade e que acompanhou os diferentes cargos ocupados por Soares: ministro, primeiro-ministro e Presidente da Republica. A carta de 7 de Fevereiro sucedeu à derrota nas presidenciais de 22 de Janeiro de 2006, quando Mário Soares tentou um terceiro mandato e perdeu as eleições para Cavaco Silva, ficando atrás do histórico socialista Manuel Alegre. Mário Soares deixa-nos um infatigável idealismo e um profundo optimismo pois, segundo ele, os portugueses «terão de ser capazes de tomar em mãos o seu próprio destino, sem complexos injustificáveis, construindo uma sociedade justa, livre e solidária, confiante nos seus próprios valores e na certeza do seu futuro».