Maria Gabriela Llansol
(Lisboa, 1931-Sintra, 2008)
Sintra,
27 de Julho
de 1994

Eduardo Lourenço,
meu Prezado
Amigo

Foi um fim de tarde que eu achei muito especial – a tarde da abertura de Lisboaleipzig1. Senti até que ponto era poderosa como resposta a figura do leitor, e o lugar essencial que, na sua vibração ele ocupava. O Vergílio esteve presente, e eu teria gostado que o Eduardo Lourenço estivesse presente também mas, afinal, a sua companhia – e a de quem pensa – estava lá. Passou qualquer coisa de nobre no ar.
Dou-lhe a direcção do nosso novo apartamento, em Sintra onde vivemos agora, apesar de termos mantido a casa de Colares.
A direcção nova, mais imediata, é

Rua Dr. Alfredo Costa, n.º 3 – 1.º F/ 2710 Sintra

Fico a aguardar o envio do livro – com imensa vontade de o ler. Se vier novamente a Portugal, gostaria que telefonasse para termos um pequeno encontro. Telef. 9243664.

Um abraço meu,
Maria Gabriela Llansol

1 LLANSOL, Maria Gabriela, Lisboaleipzig. Lisboa: Rolim, 1994.
Escritora e tradutora portuguesa, de ascendência catalã, Maria Gabriela Llansol Nunes da Cunha Rodrigues nasceu a 24 de Novembro de 1931, em Lisboa, e morreu a 3 de Março de 2008, em Sintra.
Formou-se em Direito em 1955 e concluiu o curso de Ciências Pedagógicas em 1957. Estreou-se com a publicação de Os Pregos na Erva (Lisboa: Portugália, 1962). Entre 1965 e 1884 viveu na Bélgica onde, juntamente com Augusto Joaquim, desenvolveu uma experiência pedagógica inovadora evocada nos Apontamentos sobre a escola da rua de Namur.
A sua obra é uma das mais originais da ficção portuguesa contemporânea, tendo sido distinguida com o Prémio D. Dinis/Casa de Mateus (Um Falcão no Punho, 1985), com o Prémio Inasset (Contos do Mal Errante, 1986), com o Prémio da Crítica da Associação Portuguesa de Críticos Literários e o Grande Prémio do Romance e da Novela APE/IPLB (Um Beijo Dado Mais Tarde, 1990). Amigo e amiga: curso de silêncio de 2004 (Lisboa: Assírio & Alvim, 2006) também foi galardoado com um segundo Grande Prémio do Romance e da Novela APE/IPLB.
Quando morreu, em 2008, Maria Gabriela Llansol deixou 29 livros publicados e mais de 70 cadernos inéditos, agora à guarda do Centro de Estudos Llansolianos.
Eduardo Lourenço foi um leitor atento da obra de Llansol. Em Llansol: A Liberdade da Alma, volume que reúne as intervenções nas Segundas Jornadas Llansolianas, Eduardo Lourenço assina o artigo intitulado «A realidade como texto e o texto da realidade».
Nele, afirma: «Qualquer texto de Maria Gabriela Llansol é um texto em que o laço com a realidade, no sentido banal, se nega e se transfigura numa outra espécie de texto, considerando-se aquela ofuscação positiva que só a música exprime, ou antes é. Viajemos por um texto qualquer, porque todos os textos de Maria Gabriela têm essa propriedade de serem um só texto e um texto diferente».1
Em 2008, António Guerreiro sintetizou bem o fascínio exercido pela obra de Llansol: «o século XX português, no domínio da literatura, é inquestionavelmente pessoano; um dia também será llansoliano. Não se trata de medir grandezas, mas de reconhecer o que há de incomensurável na obra de Maria Gabriela Llansol, pelo modo como inventou um género literário (para o qual não servem as categorias de romance nem de ficção, e em rigor se esbatem as fronteiras entre prosa e poesia), criou a sua própria tradição e projectou-se fora das constelações literárias» (Expresso, 08.03.2008).
O exílio, uma vida feita à margem de escolas e mundanidades, a invenção de um género literário e a porosidade das fronteiras entre a realidade e o texto valeram a Maria Gabriela Llansol a fama de escritora difícil, inclassificável, reduto de um grupo de admiradores a que Eduardo Lourenço chamou «uma espécie de seita», cujos membros guardam «o próximo grande mito literário da literatura portuguesa».

1 BARRENTO, João, SANTOS, Maria Etelvina Santos (org. de), Llansol: A Liberdade da Alma. Lisboa: Mariposa Azual, 2011, p. 25.