Fernando Namora
(Condeixa, 1919-Lisboa, 1989)
FERNANDO NAMORA
AV. INFANTE SANTO, 67, 5.º ESQ. LISBOA

6-V-75

Meu caro Eduardo Lourenço:
Recebida a segunda parte da «tradução» do prefácio, já entregue ao editor; logo que o conjunto esteja dactilografado, ser-me-á facultado, para revisão confrontada com o original francês.
Entretanto, já aí foi lançada a edição dos Clandestinos – Les Clandestins1. Por enquanto, só me enviaram o exemplar de amostra.
Compartilho de todos os seus receios, e de mais alguns. Estive quatro dias noutro planeta, Monsanto, e dessa distância melhor avaliei aquilo que Koestler2 definiu: conjugação de neurose (eu prefiro: paranóia) individual e esquizofrenia colectiva. Com o patriciano abraço do Namora

1 Fernando Namora, Les Clandestins, Paris, les Éditeurs français réunis, 1975.
2 Arthur Koestler (1905-1983) escritor britânico de origem húngara. Em 1940, publicou o romance O Zero e o Infinito, uma denúncia do totalitarismo soviético que lhe valeu fama internacional.
Fernando Gonçalves Namora nasceu em Condeixa em 1919, filho de pequenos comerciantes, no contexto de uma «sociedade provincial da pequena-burguesia ávida e poupada», um pequeno mundo «apavorado com a ideia de cair no ‘inferno’ do povo de que acabava apenas de se extrair»3.
Namora licenciou-se em Medicina na Universidade de Coimbra e é no ambiente coimbrão que as suas primeiras obras se fixam, com destaque para Fogo na Noite Escura, que descreve o ambiente universitário dos anos 1940. Da experiência como médico de província extraiu um conhecimento directo do povo, sobretudo camponeses, mineiros e vagabundos, que ocuparão parte da obra do autor. Mais tarde mudou-se para Lisboa e fez parte do corpo clínico do Instituto de Oncologia, tendo adoptado a vida da grande cidade como matéria de outros livros, como Domingo à Tarde, Diálogo em Setembro, Os Adoradores do Sol, Os Clandestinos, Estamos ao Vento e Sentados na Relva.
Fernando Namora foi um dos mais destacados criadores do movimento neo-realista, a que deu uma feição pessoal, tendo conhecido um extraordinário êxito comercial. As suas obras foram traduzidas e publicadas em espanhol, catalão, italiano, francês, inglês, alemão, romeno, búlgaro, russo, checo, holandês, chinês e outras línguas, tendo sido galardoadas com prémios como o José Lins do Rego, o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia de Ciências de Lisboa, e D. Dinis, entre vários outros. Morreu em Lisboa, a 31 de Janeiro de 1989.
Na carta de 6 de Maio de 1975, aqui transcrita, Fernando Namora acusa a recepção de um texto de Eduardo Lourenço («Escrita e doença na obra de Fernando Namora») que serviu de posfácio à edição de Retalhos da Vida de Um Médico, publicada pelo Círculo de Leitores em 1975 e reeditado pela Caminho em 2016.

3 Eduardo Lourenço, «Escrita e doença na obra de Fernando Namora», in Fernando Namora, Retalhos da Vida de Um Médico, 2.ª ed., Alfragide, Caminho, 2017, p. 14.