Eduardo Prado Coelho
(Lisboa, 1944-2007)
Lisboa, 2 de Abril [1977]

Meu caro Amigo

Sei que adiou a sua viagem a Portugal, mas não sei para quando. Lamento-o por todas as razões. Aliás, este país anseia por si. Entrevistas, mesas-redondas, comícios – e o seu nome aparece. Conseguiu de facto esta proeza de aparecer para toda a esquerda como o nome indispensável. Resta saber se a esquerda ainda é indispensável neste país. Cada vez nos assalta mais a ideia de que não. As conversas de rua são impressionantes: a base social do fascismo está a postos. A inflação desfaz o PS em poucas semanas. As viagens de Mário Soares começam a ser o feitiço voltando-se contra o feiticeiro: desacreditam-no a nível interno. Tudo isto é demasiado esvoaçado, e a comédia da Remodelação/ Reajustamento só contribui para acentuar a imagem de afundamento. Estou cada vez menos optimista.
Um novo semanário, Extra, de linha PC, requisitava-o para, juntamente com a Sophia, o Álvaro Guerra, o Pedro Tamen, eu, a Maria Velho da Costa, o Manuel Gusmão, falar da Cultura após o 25 de Abril no dia 12 deste mês.
Por outro lado, o Igrejas Caeiro disse-me que desejava imenso falar consigo, e marcar um almoço connosco, porque desde há muito pretendia combinar – diga-se a verdade que não sei como – intervenções nossas na rádio sobre a vida política e seus dramas. Respondi-lhe que lhe daria conta desta solicitação.
Uma última coisa, esta de âmbito pessoal: tendo eu pedido uma bolsa à Gulbenkian para fazer, em Portugal ou fora, a minha tese, seria possível que escrevesse uma carta, em papel da sua Universidade, dizendo (caso o pense) que conhece o projecto, lhe acha interesse, e o reconhece merecedor de apoio?
Saio agora de Lisboa, vou até Sagres, regresso no dia 11. Seria bom que entretanto arranjasse uma oportunidade de dar cá um salto. Ou pelo 25 de Abril. Este mês, a nível comemorativo, vai em crescendo. Quanto à carta que lhe peço, teria necessidade dela até ao dia 15 de Abril, data limite para entrega da documentação. Poderá ser? Obrigado.
Até breve.
Um abraço do Eduardo Prado Coelho

Eduardo Prado Coelho nasceu em 1944, em Lisboa. Licenciou-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 1983, doutorou-se na mesma Universidade. Foi assistente na Faculdade de Letras de Lisboa entre 1970 e 1983. Em 1984, ingressou na Universidade Nova de Lisboa. Foi professor convidado no Departamento de Estudos Ibéricos na Universidade de Paris III. Entre 1989 e 1998, foi conselheiro cultural na Embaixada de Portugal em Paris. Regressou a Portugal e à Universidade Nova de Lisboa em 1998.
Teve extensa colaboração em jornais e revistas, publicando uma crónica semanal sobre literatura no suplemento literário do jornal Público, onde posteriormente passou a ter também uma crónica diária. É autor de uma extensa bibliografia, onde se destacam Os Universos da Crítica, vários livros de ensaios (O Reino Flutuante, A Palavra sobre a Palavra, A Letra Litoral, A Mecânica dos Fluidos, A Noite do Mundo) e os dois volumes do diário Tudo o que não Escrevi. Morreu em Lisboa, a 25 de Agosto de 2007.
A 7 de dezembro de 2017, a Fundação Calouste Gulbenkian assinalou os dez anos da morte de Eduardo Prado Coelho. Na sessão, Eduardo Lourenço afirmou que Eduardo Prado Coelho “foi a pessoa mais brilhante e mais inteligente que eu conheci em toda a minha vida.” O Acervo de Eduardo Lourenço possui 47 cartas de Eduardo Prado Coelho, datadas de 1969 a 2000.