Alexandre Pinheiro Torres
(Amarante, 1923-Cardiff, 1999)
Meu caro Eduardo Lourenço,
19.11.86
Já há cerca de 3 semanas que recebi a sua carta que me deu imensíssima satisfação.
Que você tenha gostado de um livro meu é para me regozijar, em tão alta conta tenho a sua opinião.
Os Tubarões1 foi um livro que me deu muito gozo escrever. A Agustina escreveu para O Primeiro de Janeiro uma crítica muito fina, toda cheia da sua poderosa inteligência e intuição. É curioso ver, como em vários pontos, você e a minha “conterrânea” estão de acordo.
Só é pena que você não disponha de tempo ou disposição para exprimir o seu juízo em letra de fôrma: Expresso ou JL. Isso seria muito importante para mim e para a Caminho, a qual realmente abriu, saiu da clausura, e agora percorre e propõe-se percorrer outras avenidas.
As suas palavras são de grande encorajamento, agora que me preparo para publicar os romances que tinha na gaveta, já do tempo do Fascismo: Espingardas e Música Clássica, A Quarta Invasão Francesa e Adeus às Virgens. Claro que a estes (contrariamente ao que fiz com A Nau de Quixibá, uma coisa talvez em excesso autobiográfica) tenho andado a meter a mão, mexendo aqui e acolá. Como acabará esta aventura? Para já, diverte-me, se não tiver mais virtude.
Muito obrigado pela oferta pessoal do Fernando, Rei da Nossa Baviera, livro que já lera e do qual gostei IMENSO.
Um reparo: Heteronímia (v. sua página 9) NUNCA foi uma palavra abstrusa da invenção de Pessoa2. Consulte aí na sua Universidade um bom dicionário inglês do séc. XIX e encontrará a palavra heterónimo. Já me referi a isso no meu livro Vida e Obra de José Gomes Ferreira (1975) no capítulo VI: “O mundo das ‘máscaras’ na literatura moderna. Entre outros: Pirandello e Raul Brandão; Fernando Pessoa e Robert Browning. Quem inventou afinal os ‘heterónimos’?
Aí não explorei, a fundo, o filão, se isto é um filão. Como disse, um bom dicionário inglês oitocentista (os mesmos que Pessoa comprou em Durban) elucidá-lo-á.
Acredite na gratidão do seu admirador
Alexandre Pinheiro Torres


1 Tubarões e Peixe Miúdo. Lisboa: Caminho, 1986.
2 “Talvez nada melhor que esta palavra abstrusa de sua invenção, tornada hoje quase popular, indique a que ponto um dos mais estranhos espíritos do século XX se converteu num mito”.
Alexandre Pinheiro Torres nasceu em Amarante, em 1923. Viveu na Póvoa de Varzim, em Lisboa, no Porto, em Coimbra e em S. Tomé e Príncipe. O romance A Nau de Quixibá (“uma coisa talvez em excesso autobiográfica”), cuja acção decorre em S. Tomé, é, por muitos, considerado a sua obra-prima. Fez o bacharelato em Ciências Físico-Químicas na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e, posteriormente, licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Universidade de Coimbra. Foi professor do ensino secundário, poeta da chamada segunda geração neo-realista, ensaísta, ficcionista, crítico literário, tradutor e historiador de literatura. Colaborou em várias publicações periódicas e suplementos literários como a Seara Nova, a Gazeta Musical e de Todas as Artes, O Jornal de Letras e Artes e Ideias, e ajudou a fundar a revista A Serpente.
Em 1965 foi nomeado membro do júri do Grande Prémio de Ficção da Sociedade Portuguesa de Escritores, propondo a atribuição desse galardão ao livro Luuanda, da autoria de Luandino Vieira, que se encontrava preso no Tarrafal, acusado de terrorismo. Esta decisão precipitou a sua prisão, a proibição de ensinar em Portugal e empurrou-o para o exílio. Fixou-se em Cardiff, no País de Gales, a partir de 1966, integrando o corpo docente da universidade local, como assistente no Departamento de Estudos Hispânicos, onde se viria a tornar Professor Catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira e onde criou, em 1970, a primeira cadeira de Literatura Africana de Expressão Portuguesa em universidades inglesas.
Em 2008, a Biblioteca Nacional de Portugal adquiriu parte do espólio de Alexandre Pinheiro Torres. O acervo adquirido pela BNP aos herdeiros é constituído, essencialmente, por correspondência de autores portugueses: José Gomes Ferreira, Manuel Ferreira, Fernando Namora, José Cardoso Pires, Carlos de Oliveira, Álvaro Salema, Jacinto Prado Coelho, Vergílio Ferreira, Jorge de Sena, Eduardo Lourenço, Eugénio de Andrade, Alexandre O’Neill, Alves Redol, Urbano Tavares Rodrigues e Alfredo Margarido. Os manuscritos e a biblioteca do autor foram adquiridos pela Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim.