“…perdeu-se, carta a Cidade Junho 67”
Durante as décadas de 50, 60 e inícios da de 70, era usual Eduardo Lourenço escrever pequenas anotações nos vários textos/documentos que redigia e muitas delas hoje permitem desvendar certos ‘nós górdios’ que surgem quando da leitura e tentativa de catalogação desses textos/documentos. A título de exemplo, o facto de escrever no verso de alguns dos envelopes da correspondência recebida: “Resp. a 27-9-65. Seguiu texto” ou “Sem resposta, polémica não partilhada” ou ainda “Resp. indirecta através da carta escrita a…”, facilita a pesquisa nos espólios – quando existem – dos seus interlocutores e, em muitos casos, ajuda a encontrar o diálogo escrito que se estabeleceu entre eles. Ainda outro exemplo: o facto de na margem de uma página literária de um jornal ter assinalado: “Por causa deste artigo não publiquei a 2ª parte de…” permitiu encontrar resposta à pergunta do “porquê?” colocada perante a publicação das 15 páginas iniciais, e não publicação das 10 páginas finais de um ensaio datado e assinado, logo concluído. Um último exemplo: ter anotado na parte superior da primeira das sete folhas de um texto sem data e inacabado: “Escrito na estação de Hamburgo das 24h00 às 5 da manhã” permitiu datá-lo, aproximadamente, e sobretudo ligá-lo a uma sequência de outras folhas onde se registava numa delas apenas “Hamburgo, de madrugada combóio para Zurique”.
A anotação que Eduardo Lourenço faz junto do título “Marivaux ideólogo” vai um pouco nesta direcção e levou à consulta da correspondência trocada com Hernâni Cidade que, em carta datada “19-VI-967”, lhe diz:
“Meu Prezado Amigo
Respondo à sua carta, logo que lida, para lhe dizer:
1º não foram recebidos os seus artigos, e tenho muita pena que se hajam perdidos, porque tudo o que de si vem me interessa;
2º E interessava-me ler, embora não o pudesse publicar, o artigo sobre Jorge de Sena.* Infelizmente mandei um exemplar para a Grécia, ao professor do Instituto Francês em Atenas, Prof. Roger Bismut, que prepara uma tese sobre Camões para a Sorbonne. É ele o encarregado de fazer a recensão;”
Temos portanto dois textos para publicação na revista
Colóquio, cuja perda se confirma, um publicado logo nesse ano e um outro inacabado que se publica agora. E há que ressaltar o facto de Eduardo Lourenço, nos anos a que nos referimos, não utilizar ainda - como fará mais tarde - faxes ou fotocópias como forma de enviar os seus textos a editores, revistas, páginas literárias, jornais diários. Ou mandava por correio o próprio manuscrito, datado e assinado, ou a partir do que considerava ser a versão quase definitiva de um texto, fazia uma cópia mas ia-a alterando, completando, corrigindo, até a datar, assinar e enviar ao destinatário. Pensamos pois que a versão quase definitiva de “Marivaux Ideólogo” agora publicada, foi o ponto de partida para a versão de um dos textos que se perdeu e aos quais Hernâni Cidade alude na carta a Eduardo Lourenço.