Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista, 1968 Lisboa, Editorial Ulisseia
L.Q.- Escreveu em 1968 “Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista”. Hoje há um pouco o consenso de que o grande escritor dessa geração foi o Carlos de Oliveira. Há ali outros nomes relevantes, porventura injustiçados?
E.L.- Tudo depende do ângulo em que nos colocarmos. O neo-realismo também foi um crisma, uma opção. Recebeu esse nome porque devia querer significar uma certa continuidade da tradição que o realismo literário instituíra em Portugal, com Eça de Queiroz: uma literatura com um grande conteúdo crítico da realidade, em particular da portuguesa. O neo-realismo seria o realismo do tempo da guerra e do pós-guerra. Na verdade, devia ter-se chamado realismo socialista, mas como não podia ter esse nome, o Joaquim Namorado, creio que foi ele, inventou a designação de neo-realismo. Mas era apenas uma máscara. Os neo-realistas eram jovens militantes ou simpatizantes do PCP, uma organização extremamente minoritária e clandestina, e na qual os intelectuais eram também minoritários, já que o grosso da militância era operária. Era uma coisa muito de Coimbra, e havia uma grande diferença para a realidade de Lisboa. Eu não conhecia os neo-realistas de Lisboa, nem sequer tinha os livros de outros poetas do mesmo círculo. Por isso é que, quando escrevi o livro, já em França, não falei do Arquimedes Silva Santos, do Mário Dionísio ou do Manuel da Fonseca, que era muito popular e que, talvez mais do que ninguém, contribuiu para divulgar esse tipo de poesia com intenções de intervenção. Ele tinha humor, coisa invulgar nessa área, como também o tinha Joaquim Namorado, embora de um género mais sarcástico. Já o Carlos de Oliveira, não tem essa veia, tem uma veia romântica.

L.Q.- O seu livro, sendo um ensaio literário, é também um testemunho?
E.L.- A verdade é que o escrevi para me reconciliar com o Carlos de Oliveira, não ideologicamente, mas pessoalmente. Por isso é que a parte que trata dele é particularmente cuidada. Era muito amigo do Carlos e, por ocasião de umas eleições quaisquer, houve uma trapalhada entre ele e o Dr. Paulo Quintela, que também era da oposição, mas da corrente liberal. Não sei reproduzir bem a história, mas era já o PCP com aquela coisa de ser muito severo com quem não alinhava pelas posições deles. O Carlos parece que disse que uma delegação desses liberais que fora a Lisboa, tinha traído, ou feito isto ou aquilo. Eu estava ali metido porque o Carlos me tinha falado no assunto, e eu falei ao Torga, que por sua vez contou ao Dr. Quintela. Quando soube das acusações, ele ficou danado e teve um confronto muito chato com o Carlos, numa livraria, que acabou aos empurrões. Uma coisa horrível. O Carlos achou que eu tinha estado na origem daquela peripécia, e eu fiquei com muita pena de nos termos afastado. Penso que a motivação para escrever o livro foi essa, ainda que também houvesse da minha parte uma certa nostalgia por essa que tinha sido a minha geração. O livro é uma espécie de romance disfarçado. Deve ser a coisa mais sincera que eu escrevi.
In Luís Miguel Queirós “Eduardo Lourenço. Retrato do pensador errante”, Pública, 13/5/2007, pp.40-51.