1954 A 20 de Abril casa em Dinard (Bretanha) com Annie Salomon
20 abril 54
“Não escrevi nada. Casei-me. Tudo foi mais simples do que o imaginava, tão simples que não tive a sensação de me dar um espectáculo nem a mim mesmo como é costume. Diga-se de passagem que eu assisti ao meu casamento como se estivesse em divino. A felicidade é invisível? Só me toca a aflição e os deuses o permitiram eu já não estava aflito nesse dia. Annie ajudou-me a não me dar conta do definitivo que teria introduzido nos meus olhos essa sombra irredutível dos desastres donde me ausento”.
Agenda de bolso, “22 Donnerstag”, 1954
Guadalajara - Juin 1952, Vue de la cathédrale 'por detrás'(Annie de Faria)
Février 1952 - La corne n'est pas à moi, aussi que quelques autres objects(Annie de Faria)
Nôtre prémier séjour au Portugal. Serra do Marão (?) - 1954(Annie de Faria)
“Não é preciso invocar a história da minha família, desde os meus bisavós, mesmo se as recordações do que ouvi, enquanto criança, mo permitiam.
Digo apenas que os meus pais, Joseph Salomon e Hélène Marie Françoise Bouhon se casaram a 25 de Abril 1916 na pequena povoação de Plurien, a dois kilómetros do mar e que a partir de 1924 se iria tornar uma estação balnear de renome.
Noël, o meu irmão mais velho nasceu em 1917, a minha irmã Claire em Março de 1918 e em Março de 1923 a outra irmã Reine. Em 1923 a minha ‘pequena’ família muda-se para Bodéo, lugar onde nasci em Agosto de 1928. Em 1934 nasce minha irmã mais nova em Saint-Lormel onde a famíla já ‘grande’ viverá momentos de alegria familiar mas também muitas dificuldades durante a ocupação alemã.
Os meus irmãos mais velhos fizeram parte da Resistência. Nöel, que com outros colegas - durante a Guerra Civil de Espanha - havia criado uma forma “sui generis” de transportar víveres e munições para as forças republicanas em Madrid, entra na Resistência. Claire seguiu-lhe o exemplo e distribuía panfletos hostis aos alemães enquanto eles ocuparam Saint-Lormel. Reine foi elemento de ligação entre as várias células da Resistência e com o risco da própria vida, se fosse descoberta, transportava explosivos e armas nas bolsas da sua bicicleta. Mas nestes tempos difíceis os meus pais tiveram, do mesmo modo, uma grande coragem pois não hesitaram em esconder na mansarda da nossa casa um jovem resistente. Mais tarde ele foi vítima de uma emboscada e morreu, infelizmente. São factos que nos marcaram para sempre... mas lembro-me agora de um facto anterior logo após a vitória de Franco, quando alguns oficiais republicanos fugiram para França e viviam em condições terríveis em campos de refugiados.
Nöel explicando aos meus pais como era a vida no campo de Argelès, logo eles se prontificaram a ajudar, conforme podiam, e a receber em casa um desses refugiados. Foi assim que Angel Ballesteros se tornou um novo membro da família… tantas histórias que o tempo de uma vida permite trazer à memória! Mas éramos bretões, resistíamos a tudo! […] Entretanto estudávamos na Universidade.
Nöel dava os primeiros passos na sua carreira universitária que lhe permitiria tornar-se um hispanista de renome internacional. Influenciado por ele, sem dúvida, na Universidade também eu me debruçava sobre o mundo hispânico mas o da América latina. A minha estadia no México foi de tal modo importante que ainda hoje a recordo como sendo uma ‘recordação emocionada’...
Bordeaux, Février 1951. Jour de bradérie avec des amis(Annie de Faria)
Quando conheci Eduardo ele não dominava ainda bem o francês mas falava com todos, tomava parte em debates, discussões filosóficas e literárias, era de uma simpatia e ‘tagarelice’ contagiante, eu dizia que ele era um “bavard sympathique”, um falador simpático […] O nosso casamento foi uma festa simples com toda a família e amigos reunidos. De Portugal tinha chegado Maria Alice, a irmã mais nova do Eduardo, os que eram naquele tempo crianças ainda hoje se lembram do ambiente de alegria à volta do ‘casal’ e creio que algumas das fotografias tiradas na altura são capazes de mostrar isso, enfim… tínhamos a vida pela frente, um destino a partilhar, um longo caminho a percorrer…”
(Depoimento de Annie Salomon de Faria prestado em Vence (2007) ao responsável pela catalogação e inventário do Acervo de Eduardo Lourenço).