Guarda, 1934
biografia
1934 De novo na Guarda, frequenta o 1º ano do ensino secundário no Liceu Afonso de Albuquerque
1935 Ingressa no Colégio Militar, cujo curso termina em 1940. E neste mesmo ano é admitido na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra
Guarda, com 16 anos, junto da mãe e dos irmãos
Caderneta do Colégio Militar, 1932-1939
Eduardo Lourenço, com 17 anos, no Colégio Miltar
LO - O Senhor esteve alguns anos no Colégio Militar.
EL - Sim, sim.
LO - Quem entra no Colégio Militar passa a ser tratado por um número, de certa forma perde a sua identidade.
EL - A redução ao número é, sem qualquer dúvida, um traumatismo…
LO - Qual era o seu?
EL - O 92. Nem estamos em condições de medir os riscos desse traumatismo. Além disso estava num regime de internato, o que piorava um pouco as coisas.
LO - Ia a casa aos fins-de-semana?
EL - Não porque a minha casa ficava muito longe. Ia nas férias grandes e nos natais… O Colégio Militar tem uma mitologia própria, adquire-se um enorme espírito de grupo talvez alguma coisa me tenha ficado desse colectivismo, embora não seja muito sensível a isso. Para mim foram importantes as amizades, as amizades de infância são sempre as que perduram nos anos.”
In Luís Osório 25 Portugueses, 1999 Lisboa (2ª edição), Editorial Notícias, p.162.
“Dois anos mais tarde, entraria aqui no liceu, primeira saída do reino protegido de toda a infância que Sartre evoca em Les Mots, e também o percurso sem fim – o que se chama um curso, e é uma batalha incruenta para descobrir o nosso papel na vida […] Mas a Guarda deixou-me sem dúvida a sua marca de cidade que imitava nos seus ritos iniciáticos a lendária Coimbra que mais tarde seria, se não a da vocação, ao menos a pátria da iniciação cultural. A adolescência é o tempo incerto para toda a gente […] Na adolescência, vivemos com naturalidade no sublime. E se aí ele não nos eleva um pouco acima de nós mesmos, corremos o risco de o falhar para sempre. Foi dessas alturas que eram da vida, de sonhos vagos, de vertigem inocentes e duradouras do coração que o ‘Tempo da Guarda’ foi feito para mim. E é assim que se conserva em qualquer desvão da minha memória esburacada […] Pelo menos, assim era para os filhos de modesta extracção, como os meus irmãos e eu que vínhamos de aldeias remotas para ser gente. E que deixados a si mesmos aqui muitas vezes se perdiam, em cafés parados no tempo, dignos do cinema neo-realista. A rádio, nas tardes imóveis dos domingos, enchia o jardim em frente do quartel com a sua música melancólica de fado, de tangos, ou notícias de um mundo onde se preparavam desastres que, como sempre, não nos diziam respeito”
In Jornal de Artes e Letras, Artes e Ideias, 8/5/1996 (1995/9/10) citado in Tempos de Eduardo Lourenço - Fotobiografia, coordenação de Maria Manuela Cruzeiro/Maria Manuela Baptista, 2003 Porto, Campo das Letras, pp.47-49.
Boletim de Matrícula do Liceu de Afonso de Albuquerque, 1933-34
“Depois da escola primária em S. Pedro e do 1º ano no Liceu da Guarda vai para o Colégio Militar – “como podia ter ido para o Seminário” – São seis anos, dos 11 aos 17, interno, no que considera “um buraco negro” na sua vida que não gosta de recordar
– “Um tipo do meu género engaiolado!. Não era e não sou de me adaptar a uma disciplina rigorosa. E esta só contribuiu para a minha indisciplina, o meu gosto contestatário, nessa fase da adolescência em que quase se muda de forma, de figura, espécie de metamorfose difícil para alguém com a epiderme mais ou menos sensível como eu.”
Dessa época, conta histórias como a de a sua primeira nota em Filosofia ter sido um… zero, e a nota final a mais alta do curso, 19.
“A lembrança mais dolorosa é a de ficar no Colégio durante as férias da Páscoa. Em vez dos habituais 400 alunos restavam uns 20, como que excluídos do estatuto da maioria. Sentia uma espécie de abandono, que me pode ter marcado para sempre. Recordo-me também de, com 12/13 anos, arquitectar lições, romances históricos de um deles, passado no séc. XVIII, ainda tenho uma ideia nítida. A maior alegria, porém era ir ao cinema na Amadora, com os meus tios ou, mais raramente, ao Lys, em Lisboa com a minha tia […] O cinema da Amadora foi a minha primeira catedral. Não uma igreja, nem uma anti-igreja, mas uma catedral onde vivi os mais exaltantes, os mais sublimes momentos da minha adolescência. Para mim havia então dois portugais: um dentro do cinema, outro fora dele. Aquilo era o céu, o moderno sobrenatural e ao pé dele qualquer outra forma de religiosidade empalidecia”.
José Carlos de Vasconcelos “O Mundo Secreto de Eduardo Lourenço” in VISÃO, 22/5/2003, p.144.
Abílio de Faria, Moçambique.
Fotografia tirada nos degraus da varanda da minha casa de Vila Cabral
(Abílio de Faria. Moçambique, 14/4/1938)