Fernando Pessoa Revisitado. Leitura Estruturante do Drama em Gente, 1973 Porto, Editorial Inova
L.Q.- Os seus livros, nas várias áreas a que se tem dedicado, são sempre vistos como referências incontornáveis. Mas não o vejo ser muito seguido nem muito contestado. Há excepções, mas, de um modo geral, é como se as suas coisas fossem tão intocáveis que, literalmente, ninguém lhes toca. Um exemplo especialmente estranho é o de “Pessoa Revisitado” [Inova, 1973], até por se tratar de um livro especialmente assertivo.
E.L.- Conhece aquelas reflexões do Voltaire a respeito de um autor da época, muito conhecido: “Ah!, as obras dele são santas, ninguém lhes toca”. Passei do anonimato para um certo reconhecimento, mas que é de uma franja de leitores portugueses, geralmente universitários. É assim, o que é que hei-de fazer? Quanto ao Pessoa: esse livro é de facto um pouco diferente. Mas a floresta pessoana é imensa. Sou apenas mais uma pessoa que escreveu sobre o Pessoa. Sim, o livro é assertivo. E é polémico. Nos anos 1940, havia uma espécie de campos pró-Pessoa e anti-Pessoa. Também entrei nessa polémica, mas só tardiamente me resolvi a responder com argumentos mais consistentes a essas outras leituras do Pessoa. […]

L.Q.- De facto no “Pessoa Revisitado” sente-se uma escrita mais visceral do que noutros livros. Como se aquilo lhe dissesse directamente respeito. Não é um olhar neutral….”
E.L.- “Pois não, não é nada neutral. Para lá da minha paixão de leitor por aquela poesia, o Fernando Pessoa foi a arma suprema da minha guerrilha cultural contra outas visões do mundo. A um nível muito profundo, ele põe em causa esse tipo de discurso intrinsecamente dogmático. Sem ser propriamente um filósofo céptico, é mais eficaz do que isso, porque tem um cepticismo criador, proliferante. É um autor de virtualidades, é provavelmente o autor da própria virtualidade. Quando era jovem, fascinou-me aquela espécie de nihilismo jubilatório, que era como pôr uma bomba na totalidade do mundo como experiência humana. Servi-me do Fernando Pessoa para ir para um outro sítio, onde não possa ser localizado.”
In Luís Miguel Queirós “Eduardo Lourenço. Retrato do pensador errante”, Pública, 13/5/2007, pp.40-51.