Fernando, Rei da Nossa Baviera, 1986 Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda
Seja a chamar a atenção para a necessidade de proceder a uma releitura do texto “falsamente plural” de F. Pessoa à luz de O Livro do Desassossego, nos ensaios posteriores a 1982, seja a glosar o tópico da imparável metamorfose do encenador do “drama em gente” num dos “mito culturais mais prodigiosos do nosso século”, em todos os textos que fazem a verificação da entrada da nossa cultura no que já foi chamado a sua “era pessoana”, ou ainda a efectuar aproximações entre dois “espíritos afins” que lhe são, desde sempre, afins, os de Kierkegaard e Pessoa, Eduardo Lourenço nunca deixa de iluminar a obra de Pessoa de ângulos e modos insuspeitados, dando a impressão de no-la restituir na evidência irradiante da sua força inicial. É a novidade permanente dessa visão, porventura jamais esquecida da lição de Mestre Caeiro, e plasmada na escrita poeticamente mais sedutora que o nosso ensaísmo literário contemporâneo regista, que faz de Fernando Rei da Nossa Baviera não apenas um dos lugares privilegiados de mediação para a obra de Pessoa, num tempo em que o risco de se reduzir o poeta a ídolo inoperante é bem real, mas também insubstituível espaço de reflexão para o entendimento das questões e dos desafios decisivos que se põem à cultura portuguesa, entre a Modernidade que Fernando Pessoa entre nós representou melhor do que ninguém e os cenários pós-modernos deste nosso quase fim-de-século que é difícil imaginarmos sem a sua sombra tutelar”
Fernando J. B. Martinho [recensão crítica a “Fernando Rei da Nossa Baviera” de Eduardo Lourenço] in Colóquio Letras, nº 100, Nov. 1987, pp. 176-77.