Guarda, 27 de Novembro 2008
Inauguração da Biblioteca Eduardo Lourenço
Nunca me imaginei na situação de quem recebe uma homenagem. Situação nada confortável para uma pessoa que recebeu, como eu, uma educação que exaltava mais a modéstia do que aparecer… Mas anima-me a convicção de que este acto que me honra é devido à estima sincera de pessoas amigas que teimam em ver-me como uma mulher auxiliar “em primeira fila” na realização da obra de Eduardo Lourenço. Auxiliar eu fui mas não me atreverei a julgar a importância efectiva do meu auxílio.
Eu recebi uma formação universitária de hispanista e tudo levava a pensar que a minha carreira se dedicasse ao mundo hispânico. Previsão demasiada lógica que ignorava o rol do acaso que levou um jovem português a cruzar o meu caminho na Universidade de Bordéus. Ele era filósofo e falava mal francês. Mas esse handicap não o impedia de intervir com veemência nos debates de vários círculos culturais da cidade. Ele era fascinante. A tal ponto que um dia atrevi-me a dizer-lhe: “Vous êtes un bavard sympathique”. Frase fatal que selou o meu destino!
Casei com Eduardo Lourenço em 1954. Desde o princípio eu sabia que não tinha escolhido a facilidade. Mas quem havia vivido, como eu, desde a infância numa terra onde a chuva, ventos, fúrias do oceano batem no granito ao ritmo das marés, achava que tinha uma alma aventureira. Eu gostava de desafios e sonhava em ultrapassar o horizonte “ad infinitum”.
A minha ‘bifurcação’ cultural não me assustou. É certo que não tinha escolhido “un lecho de rosas”, como dizem no México. Mas a minha firmeza, melhor dizendo, a minha teimosia resistiu “contra ventos e marés” no correr da minha vida.
À medida que eu ia descobrindo a cultura portuguesa, e mais tarde o mundo brasileiro, estabeleceu-se entre nós os dois – eu e Eduardo - uma troca contínua de impressões, opiniões, comparações, etc. Chegou a ser um verdadeiro “partage” (“partilha”) nos momentos privilegiados. Particularmente quando eu fazia as traduções dos seus livros. “Partage” que veio confortar, afectivamente, a chegada do nosso filho Gil, aqui presente. Neste momento de celebração, penso com ternura na nossa nora Laurence e nos nossos netos Morgane e Robin que não puderam acompanhar-me. Em nome deles, quero agradecer às pessoas que me quiseram honrar no dia da inauguração da Biblioteca Eduardo Lourenço.
Muito obrigado a todos
Annie Salomon de Faria