Eugénio de Andrade
(Fundão, 1923-Porto, 2005)
21.8.68

Querido Eduardo:

Duas palavras apenas pela tua carta e pela tua magnífica prosa sobre a minha poesia. Vou mandar dactilografar o original, visto quer não tens cópia, e entregá-lo antes de partir. No dia 29 sairemos do Porto. No dia 31, devemos estar em Nice. A Agustina, a quem já falei do nosso encontro, também te quer conhecer.
Do ensaio, como falar-te? Oxalá o mereça – dizes coisas lindíssimas! Ninguém como tu, entre nós, fala de poesia de uma maneira tão certeira e alada, ao mesmo tempo. Há um poeta em ti a falar da poesia dos outros poetas. À palavra angélica chamo eu palavra musical. O meu anjo da guarda chama-se Wolfgang Amadeus Mozart. É ele que permanentemente me aponta um ideal de escrita onde a graça e o ardor se conciliam. Deixa-me que te não diga mais nada, e que te abrace apenas.
Já pedi ao José Rodrigues um desenho para te levar. Com a tua planta tão minuciosa não poderei deixar de descobrir a tua casa.
Até breve. Lembranças à tua mulher e um grande abraço do muito teu Eugénio.

P.S. Pois claro, li o Diário de Lisboa: Mas esperavas outra coisa? O Neo-realismo fica a dever-te muitíssimo! E.
Na véspera da partida para uma viagem pela Europa (Espanha, França, Itália e Grécia), Eugénio de Andrade («velho companheiro de coimbras extintas», Dez Cartas e um Bilhete Postal para Eugénio de Andrade) escreve a Eduardo Lourenço, combinando um encontro em Nice, cidade onde o último se instalara em 1965. Da leitura da carta deduz-se que foi nesta passagem pelo sul de França, no Verão de 1968, que Eduardo Lourenço e Agustina Bessa-Luís se conheceram pessoalmente. A amizade e a admiração intelectual de Eugénio de Andrade por Eduardo Lourenço remontam ao período em que o poeta de As Mãos e os Frutos viveu em Coimbra (1943-1946), onde também se cruzou com Miguel Torga e Carlos de Oliveira. O Acervo de Eduardo Lourenço possui 70 cartas autógrafas de Eugénio de Andrade, que cobrem um período que vai de 1953 a 2003.