Ruben Andresen Leitão
(Lisboa, 1920-Londres, 1975)
Ruben A. Leitão
Rua do Monte Olivete, 37
Lisboa

Lisboa, 21 de Janeiro de 1967

Meu caríssimo Eduardo Lourenço,

A tua carta é um dos raros exemplos daquilo que faz bem a um escritor.
A tua compreensão pela minha obra foi a coisa mais importante escrita até hoje, e como tal calou-me profundamente.
A penetração aguda do teu espírito, a análise radical das observações, tudo isto aliado ao teu ensaio, a lume no último número de O Tempo e o Modo, faz-me dialogar contigo no espaço e no tempo, já há um quarto de século, desde os tempos de Coimbra (que serão servidos «au naturel» no 2.º volume da minha autobiografia que estou mandando por este mesmo correio).
Aí verás o drama da nossa geração.
Estou actualmente a trabalhar, em transe, no 3.º volume e até à Páscoa tenho as horas contadas.
Ainda não é este ano que darei um salto a França, pois irei em Maio à Alemanha e a Londres. Quem sabe se te poderei ver mais breve do que pensamos.
Vou à Alemanha por causa de um artigo publicado num jornal, imagina tu o que é o destino das pessoas!
Estou agora num período muito curioso da vida, período em que toda a concentração do meu esforço e da minha possibilidade de criar se mantém no subconsciente ou no inconsciente para saltar cá para fora na madrugada, quando escrevo o que tenho a dizer.
Desta forma chego ao fim da tarde estafado e com a mioleira em água, mas compensa-me – talvez a ti não – saber que o período de apogeu vai todo, salta da máquina para o papel, com a facilidade de quem na expressão encontra a realidade do sentir e do pensar.
Peço aceites um fraternal abraço, gratíssimo sempre saudoso – Beijos a Madeleine Barbela
Teu velho
Cavaleiro

Romancista, dramaturgo, historiador, crítico literário e autor de textos autobiográficos, Ruben A. Leitão (ou Ruben A.) foi professor do ensino secundário, leitor do King’s College de Londres, funcionário da Embaixada do Brasil em Lisboa, administrador da Imprensa Nacional-Casa da Moeda e director-geral dos Assuntos Culturais. Morreu em Londres, quando se preparava para assumir o lugar de senior fellow na Universidade de Oxford. Acerca de Silêncio para 4 (Lisboa: Moraes, 1973) escreveu Eduardo Lourenço: «É um maître livre e assinala um dos pontos mais altos de descompressão do nosso inconsciente literário, iniciado no limiar dos anos 50, após um interregno em que o delírio de Álvaro de Campos e o frenesim de Almada naufragaram». O Acervo de Eduardo Lourenço possui 10 cartas de Ruben A., datadas de 1967 a 1975.