António Ramos Rosa
(Faro, 1924-Lisboa, 2013)
Lisboa, 21-1-1963
Meu caro Eduardo Lourenço:
Só hoje, aliás, ontem, dia 20 recebi aqui, em Lisboa, o seu cartão que me enviou para Faro. Eu moro em Lisboa (Rua das Picoas, 4- 4.º Esq.) há cerca de ano e meio. Para completar a nota biográfica: casei-me. Tenho trabalhado imenso, exclusivamente em traduções sem tempo para leituras e poesia. O livro que lhe envio, Ocupação do Espaço abarca um período, ainda algarvio, de grande fecundidade. Gostaria de saber o que pensa desta obra. Sei que tem uma grande unidade. Em cada poema ou sequência de poemetos que o espaço da página mais «identifica» do que separa, encontra-se, suponho, essa mesma unidade, mas solta e livre, sem sequência de assunto. Estou a explicar-me mal, mas V. entenderá logo ao ler o livro. Mando-lhe também Sobre o Rosto da Terra (este, emprestado, pois é o exemplar dedicado a minha mulher), que já não me lembro se lhe ofereci. Segue igualmente o meu livro de prosa ensaística ou articulística Poesia, Liberdade Livre, recolha de artigos a que tentei dar certa estrutura unitária, principalmente na primeira parte. André Frénaud diz-me que gostou imenso do estudo que lhe dediquei.
Desculpe-me estas linhas mal alinhavadas, mas escasseia-me atrozmente o tempo.
V. aqui não é esquecido. Lemos as suas coisas e somos alguns «distintos» a classificá-lo como um ensaísta excepcionalíssimo. Por exemplo, Vergílio Ferreira e Herberto Helder*, para citar apenas duas pessoas que recentissimamente falaram de si com a maior das admirações.
Espero notícias suas e que acabe esse livro e mo envie. É para sair em Portugal?
Um grande abraço amigo e grato deste seu
António Ramos Rosa
* A propósito, leu Os Passos em Volta, livro de contos do Herberto Helder?
O poeta, crítico e tradutor António Ramos Rosa nasceu em Faro, a 17 de Outubro de 1924. Foi em Faro que fez os estudos secundários que não chegou a concluir por motivos de saúde. Depois de abandonar o liceu, recorreu a explicações como meio de subsistência. Foi também no Algarve que Ramos Rosa iniciou a sua carreira literária como poeta e como crítico. De 1951 a 1953, fundou e coordenou a revista Árvore e, após a proibição desta, de duas outras revistas: Cassiopeia (1955) e Cadernos do Meio-Dia (1958). Em 1958 publicou o seu primeiro livro: O Grito Claro. Paralelamente, iniciou uma militância política, alistando-se no MUD Juvenil (1947) e participando em algumas manifestações contra o regime salazarista. Já anteriormente sob suspeita da PIDE, o poeta foi preso em Outubro de 1947. Em 1962 casou com Agripina Costa Marques e instalou-se definitivamente em Lisboa.
A sua obra poética ultrapassa os cinquenta títulos. É autor de ensaios, entre os quais se destaca A Poesia Moderna e a Interrogação do Real (1979). Em 1988 foi distinguido com o Prémio Pessoa. A Biblioteca Municipal de Faro, inaugurada em Abril de 2001, tem o seu nome. António Ramos Rosa morreu em Setembro de 2013.
O Acervo de Eduardo Lourenço possui 33 cartas de António Ramos Rosa datadas de 1960 a 1987.