Serafim Ferreira
(Porto, 1939-Amadora, 2015)
Meu caro Amigo,

Como eu e o Vergílio Ferreira esperávamos, o seu artigo não passou, nem passa. Fica a aguardar melhor oportunidade… Talvez quando a «esquerda» estiver já institucionalizada e se lhe possam fazer então críticas deste género sem se correr o risco de estar do outro lado.
Para remediar isso (e de certo modo permitir que diga sobre o assunto alguma coisa), junto um questionário para uma entrevista a publicar na Vida Mundial, na linha de outras que se projectam e vão começar a sair: a 1.ª com V. Magalhães Godinho, outra com o Prof. Jorge Dias; seguindo-se depois diversas sobre problemas de actualidade. Estou certo que este questionário lhe permitirá abordar as questões mais imediatas e tecer considerações sobre problemas de vária natureza. Estas entrevistas estão projectadas para ocuparem duas ou três páginas da revista, sendo acompanhadas com várias fotografias dos autores. Assim, além das respostas ao questionário, solicito-lhe também que me envie as fotografias que tiver em seu poder ou me indique as fontes onde posso encontrá-las. Não vale a pena salientar o interesse (e a urgência) que ponho no recebimento das suas respostas. Estou certo que dentro de dias terei notícias suas sobre o assunto. Não se desculpe com tempo – e não deixe de responder. O interesse em abordar estas questões é indispensável para um contacto mais permanente com as camadas jovens. V. é já um dos intelectuais em quem uma certa juventude esclarecida deposita grande confiança. Sei isso muito bem e, por isso mesmo, insisto nas suas rápidas notícias e respostas às questões abordadas.
Outro assunto: o V. Ferreira não pôde liquidar o tal recibo dos 20 exs. da Poesia Neo-realista 1; já a Portugália tinha enviado o dinheiro para o seu irmão Adriano. Não sei como quer resolver o problema, se quer dizer ao seu irmão, se quer antes que a coisa se mantenha por mais uns tempos até resolver-se doutro modo. A «Ulisseia» pode esperar, se assim quiser.
O José Marmelo e Silva vai reeditar na «Ulisseia» a 4.ª edição de SEDUÇÃO 2. Falámos na hipótese de um estudo a acompanhar esta nova edição: ele pediu-me que insistisse junto de si no sentido de saber se estava interessado (e era da sua simpatia) escrever um prefácio para este livro que abarcasse toda a obra. Ora, penso que o Marmelo e Silva lhe merece consideração e não terá, pois, dificuldade em escrever uma introdução para essa reedição. Espero as suas notícias sobre este assunto.
No fim desta carta, acrescento mais algumas palavras para esclarecer o seguinte: diz-me agora o V. Ferreira que acaba de receber carta sua, onde lhe diz que nada sabe do texto que me enviou. Ora, mal recebi o artigo, prontamente acusei a recepção dele. Perdeu-se a minha carta? Talvez haja aqui qualquer equívoco, não? Depois disso, mandei-lhe um livro meu. Não se espante por vê-lo editado «por conta do autor». É que nunca gostei de misturar ou meter a foice onde não devo – e, depois, isso continua a marcar a minha independência. Não mercadejo o que para mim é vital, essencial, quase faz parte apenas do meu mundo íntimo. Verá pelo tom do livro e sentido da narrativa que, afinal, há razões para assim proceder. A boa literatura nunca se mercadejou em termos de batatas ou bacalhau…, embora sobre a qualidade do livro não me diga respeito ter de afirmar algum juízo de valor – mas tenho, no fundo, consciência de ter acertado, isto é, de ter publicado um livro com um mínimo de qualidade. O não tentar publicar o livro na «Ulisseia» ou noutra editora tem simplesmente esta razão: não querer dar o flanco e cair nas bocas do mundo…
E é tudo. Espero com brevidade as suas notícias. O V. Ferreira manda-lhe já um abraço e diz que vai escrever-lhe por estes dias.

Um grande e cordial
abraço do
Serafim Ferreira

Lisboa,
13.Janeiro.1969


1 LOURENÇO, Eduardo. Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista. Lisboa: Ulisseia, 1968.
2 SILVA, José Marmelo e. Sedução. Lisboa: Ulisseia, 1972.
Nascido no Porto em 1939, Serafim Ferreira foi escritor, crítico literário, tradutor e editor. Radicou-se em Lisboa no início da década de 1960 e viveu vários anos na Amadora. Entre outros prémios, recebeu o Prémio Literário Vergílio Ferreira, atribuído pela Câmara Municipal de Gouveia, com a obra Clenardo e o Príncipe (Lisboa: Editorial Escritor, 2004). Anexo à carta datada de 13 de Janeiro de 1969, encontra-se o questionário «10 questões postas a Eduardo Lourenço». Ao contrário do que o autor antecipava, as respostas de Eduardo Lourenço não foram publicadas na revista Vida Mundial, mas no «Suplemento Literário» do Jornal de Notícias, de 24 de Dezembro de 1969. Serafim Ferreira colaborava com as duas publicações, mas também com o Diário de Lisboa, Diário Popular, República e A Capital, entre outros títulos.