Sophia de Mello Breyner Andresen
(Porto, 1919-Lisboa, 2004)
Lisboa Jan. 86

Querido Eduardo
Para que 86 lhe seja propício mando-lhe duas imagens daquilo que foi para mim o melhor do ano que passou: alguns breves dias em Corfu – Kerkira. O hotel era na arriba e mal ao meio dia acabavam os discursos eu descia a encosta até à praia. Em roda da ilha ao fundo nadei maravilhosamente numa água [muito] espessa e tão lisa e azul. Quanto gostaria de viajar vagarosamente sem congressos!
Também espero que esta seja a minha despedida da política activa. Os métodos eleitorais são talvez inevitáveis mas são também insuportáveis. E já não tenho idade para estas coisas.
Aqui lhe mando esta górgona – tão veemente e cheia de vitalidade – para que o seu esgar e a sua dansa afastem de nós o pior.
Gostei tanto de receber o seu cartão e os seus desejos para o novo ano!
Para si e sua mulher Bom Ano da muito amiga Sophia
Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu a 6 de Novembro de 1919 no Porto, onde passou a infância. Entre 1939-1940 estudou Filologia Clássica na Universidade de Lisboa. Publicou os primeiros versos em 1940, nos Cadernos de Poesia. Em 1944 sai, em edição de autor, o seu primeiro livro de poemas, Poesia, título inaugural de uma obra incontornável que a torna uma das maiores vozes da poesia do século XX. Os seus livros estão traduzidos em várias línguas e foi muitas vezes premiada, tendo recebido, entre outros, o Prémio Camões 1999, o Prémio Poesia Max Jacob 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana – a primeira vez que um português venceu este prestigiado galardão. Com uma linguagem poética quase transparente e íntima, ao mesmo tempo ancorada nos antigos mitos clássicos, Sophia evoca nos seus versos os objectos, as coisas, os seres, os tempos, os mares, os dias. Na sequência do seu casamento com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares, em 1946, passou a viver em Lisboa. Foi mãe de cinco filhos, para quem começou a escrever contos infantis.
Em termos cívicos, a escritora caracterizou-se por uma atitude interventiva, tendo denunciado activamente o regime salazarista e os seus seguidores. Apoiou a candidatura do general Humberto Delgado e fez parte dos movimentos católicos contra o antigo regime, tendo sido um dos subscritores da «Carta dos 101 Católicos» contra a guerra colonial e o apoio da Igreja Católica à política de Salazar. Foi ainda fundadora e membro da Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos. Após o 25 de Abril, foi eleita para a Assembleia Constituinte, em 1975, pelo círculo do Porto, numa lista do Partido Socialista. Foi também público o seu apoio à independência de Timor-Leste, conseguida em 2002.
Faleceu a 2 de Julho de 2004, em Lisboa. Dez anos depois, em 2014, foram-lhe concedidas honras de Estado e os seus restos mortais foram trasladados para o Panteão Nacional.
No dia em que se celebrou o centenário do seu nascimento, a 6 de Novembro de 2019, é-lhe concedido a título póstumo o Grande-Colar da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

In: https://www.portoeditora.pt/autor/sophia-de-mello-breyner-andresen/652