Agustina Bessa-Luís
(Vila Meã, 1922)
No regresso de uma viagem pela Europa (Espanha, França, Itália e Grécia), acompanhada por Alberto Luís e Eugénio de Andrade, Agustina Bessa-Luís agradece a Eduardo Lourenço «pela vossa boa companhia» em Nice, cidade francesa onde o último se instalara em 1965. Da leitura da carta deduz-se que foi nesta passagem pelo sul de França, no Verão de 1968, que Eduardo Lourenço e Agustina Bessa-Luís se conheceram pessoalmente. Anteriormente publicada na revista Colóquio/Letras (Eduardo Lourenço, uma ideia do mundo, n.º 171, Maio 2009), é uma das setes cartas autógrafas de Agustina Bessa-Luís, que cobrem um período que vai de 1959 a 1981, pertencentes ao Acervo de Eduardo Lourenço.
Porto, 7 de Outubro de 1968


Meu caro Eduardo Lourenço

Levou tempo a repousar de tantas impressões e tanta fadiga. Agora estamos na normalidade, com um trabalho a cumprir que nos condiciona a nossa rotina que se não fosse parecer-nos fútil a acharíamos insuportável.
Muito obrigado pela vossa boa companhia, diz o Alberto e eu. Gostei de o conhecer e acho que foi o começo de uma amizade longa e equilibrada para além das afinidades. Sou reservada e v. é pouco pródigo da sua simpatia. Mas a generosidade mais profunda nasce da compreensão mais imediata de que «c’était lui et c’était moi», como dizia Montaigne a respeito do seu melhor amigo.
O país está moderadamente desiludido, não sei. Parece que faltou o quinto acto dum drama, esse quinto acto escusado, que ninguém acha indispensável, que só Shakespeare conseguia escrever e representar decentemente e que verdadeiramente explica e define se se trata de comédia ou tragédia. Parece que há uma certa bonomia distraída para quem queira escrever, uma espécie de cavalheirismo que talvez suplante qualquer outra coisa e não chega a ser nada. Mas previno-o: não chame a atenção sobre si como crítico das instituições porque elas estão em via de se refundir. Quando algo se refunde, os materiais tornam-se muito sensíveis. E tenho por certo que v. pode aspirar a um futuro prometedor, como se diz em boa gramática e mau estilo. São os da sua idade, da nossa idade, que hão-de ser chamados. Convém que se tenham já por escolhidos.
Lembranças à Annie e também ao Gil. Ainda não terminámos este rolo fotográfico, começou a chover. Depois mandarei os retratos.
Cumprimentos da sua amiga sempre grata
Maria Agustina