Snu Abecassis
(Copenhaga, 1940 – Camarate, 1980)
Exmo. Senhor
Eduardo Lourenço,
1130 Av. de Provence,
06140 Vence,
França.

15 de Março de 1978.

Ref.: PSICANÁLISE MÍTICA
DO DESTINO PORTUGUÊS
SAE/143/78

Caro Amigo,

Lemos com muito interesse o manuscrito em referência e afigura-se-nos que devemos publicá-lo.

Para já, gostaríamos muito de receber a conclusão da primeira parte escrita à mão, pois o material que temos acaba na página 40 e falta-nos o restante.

Para podermos estudar as possibilidades reais deste livro gostaríamos de saber qual é o panorama no que respeita a outros livros seus no prelo em Portugal. Se bem me lembro, havia vários em andamento, mas de cuja evolução não estou, evidentemente, a par.

Pensamos que a nossa colecção «Diálogo» será a indicada para este conjunto de ensaios, que dará cerca de 126 páginas, considerando apenas o material analisado. Convirá no entanto assinalar desde já que as fotocópias de que dispomos não poderão servir para fins de produção, pois não só algumas estão pouco claras, como por vezes não apanharam o texto completo da página.

Espero as suas notícias em breve.

Com amizade,
Snu Abecassis.
A carta em anexo, datada de 15 de Março de 1978, assinada por Snu Abecassis, fundadora e editora das Publicações D. Quixote, corresponde, na prática, à aceitação do manuscrito de Eduardo Lourenço Psicanálise Mítica do Destino Português. O livro acabará por ter como título O Labirinto da Saudade: Psicanálise Mítica do Destino Português (Lisboa: Publicações D. Quixote, 1978) e esta alteração merecerá de Snu Abecassis o seguinte comentário: «Penso que a alteração do título é boa, até porque a versão original podia dar a entender que havia pretensões reais de psicanálise no sentido científico. Isto, claro, apenas no sentido mais académico, mas convém no entanto evitar sempre que possível as construções que se prestam a mais que uma leitura» (12 de Maio de 1978).
A missiva de Março também assinala «que as fotocópias de que dispomos não poderão servir para fins de produção, pois não só algumas estão pouco claras, como por vezes não apanharam o texto completo da página», pelo que se junta fotocópia de um excerto preparatório, encontrado apenso à correspondência trocada por Eduardo Lourenço com as Publicações D. Quixote.
Segundo consta, Snu Abecassis e o advogado e político social-democrata Francisco Sá Carneiro conheceram-se a 6 de Janeiro de 1976, num almoço organizado por Natália Correia. Quando, uma vez, Sá Carneiro perguntou a Natália Correia como era Snu Abecassis, a resposta ficou célebre: «É uma princesa nórdica num esfique de gelo à espera que venha um príncipe encantado dar-lhe o beijo de fogo. E esse príncipe é você. Porque ela é a mulher da sua vida».
A 4 de Dezembro de 1980, Snu Abecassis, Francisco Sá Carneiro (então primeiro-ministro do VI Governo Constitucional, o primeiro formado pela Aliança Democrática), Adelino Amaro da Costa, António Patrício Gouveia e três outros acompanhantes, morrem num acidente de aviação em Camarate, nas imediações de Lisboa. Dirigiam-se para o Porto, onde iam participar numa acção de campanha do general Soares Carneiro. A 6 de Dezembro, véspera das eleições presidenciais, realizam-se os funerais de Sá Carneiro e de Amaro da Costa nos cemitérios do Alto de São João, em Lisboa, e de Odemira, após as exéquias no Mosteiro dos Jerónimos. Milhares de pessoas acompanham a despedida do dirigente da AD. A morte prematura, em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas, contribuirá não só para ao engrandecimento da personalidade política de Sá Carneiro, mas também para a mitificação da história de amor vivida com Snu Abecassis.