Vitorino Magalhães Godinho
(Lisboa, 1918 – Lisboa, 2011)
28 Dezembro 1976


Ao aproximar-se o novo Ano, venho agradecer-lhe todas as gentilezas que comigo tem tido e desejar-lhe um 77 de saúde, trabalho produtivo e felicidade, lá longe deste manicómio de asfixia lenta. A nossa Área de Ciências Humanas1 está a ser alvo de uma ofensiva em forma para a fazer soçobrar: lançada por uma minoria interna de neuróticos, intriguistas incompetentes e carreiristas madraços, com o apoio de forças políticas que a querem dominar. Os caminhos deste país continuam incertos – e é o povo colectivamente que é preciso chamar à pedra. Desespera-se neste ambiente de campanário chilro. E aí fora continuam a não compreender a nossa situação. Saudações cordiais do Vitorino M. Godinho

1 Área de Ciências Sociais e Humanas foi depois transformada em Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Datada de 28 de Dezembro de 1976, a carta do historiador Vitorino Magalhães Godinho a Eduardo Lourenço é marcada pelo pessimismo: «[…] lá longe deste manicómio de asfixia lenta». Curiosamente, a imagem é próxima de uma outra usada pelo escritor Ruben A. numa carta a Liberto Cruz, pouco tempo antes dele próprio partir para Oxford: «Fique aí, não se atreva, fique, fique, FIQUE. O Jardim Zoológico abriu aqui as portas» (1975). Vitorino Magalhães Godinho, demitido por razões políticas da Faculdade de Letras de Lisboa (1944) e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (1963), não deixará, após o 25 de Abril de 1974, de se confrontar criticamente com a realidade portuguesa. Director da Biblioteca Nacional de Lisboa, entre Janeiro e Novembro de 1984, renuncia ao cargo em ruptura com o Governo e argumentando que «aquela instituição não tem sido tratada como instituição científica e cultural, de completa autonomia, como por lei é e resulta da sua natureza, antes tem sido reduzida a órgão de administração pública, com interferências inadmissíveis do poder e forças políticas sectárias». Professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa, Vitorino Magalhães Godinho, enquanto Ministro da Educação e Cultura (19 de Julho a 30 de Novembro de 1974), devolveu Portugal à UNESCO, depois de o Estado Novo ter abandonado a organização em 1971, devido ao apoio daquela estrutura aos movimentos independentistas africanos.