Luís Pacheco
(Lisboa, 1925 – Lisboa, 2008)
Lx. 1.3.53

Ex. Sr. Dr. Eduardo Lourenço de Faria
Meu Caro Camarada:

Infelizmente, ainda hoje não me é possível responder à carta tão grata que me enviou há tempos aceitando colaborar no CONTRAPONTO. Essa carta exige uma longa resposta que tenho vindo adiando de dia para dia. Nela explicarei que o espírito que anima o CONTRAPONTO teve como uma causa motora o livro de V. Ex. «Heterodoxia» e as razões de circunstância que impediram (ou melhor: dificultaram) que o convidasse mais cedo a colaborar connosco. Como o CONTRAPONTO se encontra de momento suspenso (por ordem da Censura) e a sua publicação adiada sine die (talvez para Outubro haja uma nova aurora…) estes problemas não se põem de momento. Venho pela presente oferecer-lhe algumas das nossas edições recentes (fórmulas que, por mais livres e mais individualizadas, preferimos, e que evitam o carácter jornalístico (onde as confusões e as misturas são sempre inevitáveis) e dizer do grande interesse que teríamos em editar qualquer obra sua nas duas colecções que apresento: «caderno» ou «pamfleto».
Mais tarde está prevista uma colecção de ensaio e crítica, incluindo também traduções de textos pouco conhecidos em Portugal (ou deliberadamente ocultados pela intelligentsia nacional). Porém, e durante alguns meses, apenas manteremos os tipos já lançados, até que o público os conheça. E neles caberá perfeitamente uma série de ensaios (no género, por ex. de «Europa»1) ou qualquer coisa de mais directo (para a col. pamfleto). O sr. dr. dirá.
Suponho que as nossas edições são em Coimbra pouco conhecidas. Em Lisboa e Porto contamos já com um público certo. Sem pretender transformá-lo em nosso agente ou propagandista (essas coisas em assuntos de cultura e arte não se fazem por encomenda) permito-me enviar alguns Contrapontos que o sr. dr. distribuirá se os julgar merecedores disso. Muito e muito grato
Cumprimenta-o o camarada Luiz Pacheco
O escritor, crítico e editor Luís Pacheco nasceu a 7 de Maio de 1925, em Lisboa. Oriundo de uma família ligada às artes, frequentou o Liceu Camões e matriculou-se no curso de Filologia Românica, que não chegou a concluir. É autor de, entre outras obras, Crítica de Circunstância (Lisboa: Ulisseia, 1966); O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor (Porto: Contraponto, 1969); Comunidade (Lisboa: Contraponto, 1970) e Exercícios de Estilo (Lisboa: Estampa, 1971).
Em Setembro de 1950, funda a revista (e, mais tarde, editora) Contraponto. Luís Pacheco publica escritores como Raul Leal, Vergílio Ferreira, José Cardoso Pires, Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Natália Correia e Herberto Hélder. Dedicou-se, igualmente, à crítica literária e cultural, tornando-se famigerado pelas suas críticas irreverentes e polémicas.
Num diário inédito escrito em 1993, 40 anos depois da carta aqui transcrita, Luís Pacheco afirma: «José Bacelar, Razão e Absoluto; Eduardo Lourenço, Heterodoxias I; Herbert Spencer, Arte e Sociedade. Estes três livros fizeram-me perceber que o neo-realismo ortodoxo e o PC [Partido Comunista] magistral e super eram aldrabices» (Diário Selvagem/ Arquivo da Família).