Jorge de Sena
(Lisboa, 1919-Santa Barbara, EUA, 1978)
Lx. 15/6/9531

Meu caro Eduardo Lourenço
Por não me ter sido possível ir ao passeio (que sei ter redundado em excelente êxito – e perdoa-me V. que lhe diga da simpatia e consideração por V. que ressumam dos comentários que ontem ouvi?), não chegámos a conversar, quando eu nem sequer chegara a devidamente lhe agradecer a sua bela carta.
O que me diz da tradução – eu limitei-me estrita e esforçadamente a recriar em português o estilo do Greene2, mesmo por vezes com sacrifício de uma clareza imediata, cuja subtil falta respeitei sempre que a encontrei por fazer ela parte da própria estrutura do romance.
Do prefácio: há muito, e cada vez mais, eu escrevo com a noção absoluta de pregar no deserto. Sei que uns entendem e não aceitam, e que outros, que aceitariam, não entendem. Mas a única justificação de uma existência que escreve para testemunhar de todas as verdades é persistir mesmo assim, e escrever da compreensão que era possível no nosso tempo. É provável também que me canse – mas isso nada prova senão contra mim, pois que sempre poderá haver, expressa ou não, uma compreensão profunda e amplificadora como a sua. A tristeza, porém, é muita; e não sei se, ainda que (quem sabe?) alegremente, não acabaremos por nos convencer definitivamente de que só nós estamos errados… e certos todos os outros. Eu não ando, de resto, muito longe disto: simplesmente as razões acima ainda se inserem no quadro de uma – como direi? – nada fatalista visão do mundo. Nem de outro modo poderia eu explicar o ter chegado a escrever o poema que lhe mandei e faz parte de toda uma sequência (pela unidade de ocasião no tempo e de inspiração) de igual ou análogo sentido.
Mais uma vez, pois, muito obrigado. Abraça-o com muito estima o camarada amigo

Jorge de Sena

P.S. – Não deixe de ler os poemas do grego Cavafy3 que traduzi do inglês e publiquei no «Comércio», no passado dia 9. Não me lembro se chegámos a falar nisto.


Esta carta, encontrada no Acervo de Eduardo Lourenço, foi publicada, pela primeira vez, no sítio Ler Jorge de Sena (http://www.lerjorgedesena.letras.ufrj.br/), da responsabilidade de Gilda Santos e Luciana Salles. Assim, das oito cartas extraviadas mencionadas no volume Correspondência Eduardo Lourenço/ Jorge de Sena (organização e notas de Mécia de Sena), Lisboa, IN-CM, 1991, apenas cinco permanecem por localizar.
Em 1953, Jorge de Sena publicou a tradução do romance O Fim da Aventura, de Graham Green (Lisboa: Estúdios Cor). Sob diferentes chancelas, a tradução tem sido sucessivamente editada, a última das quais pela D. Quixote em 2016.
No Suplemento Literário de O Comércio do Porto, de 9 de Junho de 1953, Sena publica o primeiro texto português sobre Konstantinos Kavafis (1863-1933), ou Cavafy, acompanhado de cinco poemas que traduziu, incluindo «À Espera dos Bárbaros».
Em 1969, ao organizar a antologia Líricas Portuguesas, Jorge de Sena apresenta-se do seguinte modo:
Nasceu em Lisboa, a 2 de Novembro de 1919, onde viveu exercendo a profissão de engenheiro civil em que se formara na Faculdade de Engenharia do Porto. Esteve então em África, no Brasil, nas ilhas do Atlântico e em alguns países da Europa. Ensaísta, dramaturgo, contista, crítico e historiador da cultura, etc., tem várias obras publicadas em volume e larga colaboração dispersa por jornais e revistas, sendo de destacar: Seara Nova, onde exerceu a crítica teatral, O Comércio do Porto, Portucale, Mundo Literário, O Primeiro de Janeiro, Árvore, etc. Um dos fiéis colaboradores de Unicórnio e números subsequentes, foi o animador e co-director das 2.ª 3.ª séries de Cadernos de Poesia, em cuja 1.ª série já colaborara. Dedicou-se largamente a traduções de poesia e de romance. Tendo partido em 1959 para o Brasil, onde foi catedrático de Teoria da Literatura e de Literatura Portuguesa, e se doutorou em Letras, vive desde 1965 nos Estados Unidos da América, onde foi catedrático de Literatura Portuguesa e de Literatura Brasileira, e também de Literatura Comparada, na Universidade de Wisconsin, e o é actualmente na Universidade da Califórnia. Segundo declarou uma vez numa entrevista, a sua poesia «representa: um desejo de independência partidária da poesia social; um desejo de comprometimento humano da poesia pura; um desejo de expressão lapidar, clássica, da libertação surrealista; um desejo de destruir pelo tumulto insólito das imagens qualquer disciplina ultrapassada (e assim: a lógica hegeliana deve sobrepor-se à aristotélica; uma moral sociologicamente esclarecida à moral das proibições legalistas); e sobretudo, um desejo de exprimir o que entende ser a dignidade humana – uma fidelidade integral à responsabilidade de estarmos no mundo».