José Saramago
(Azinhaga, 1922-Lanzarote, 2010)
Lanzarote, 10 de Setembro de 2008

Eduardo Lourenço
1130 Avenue de Provence
06140 Vence
France

Querido Eduardo,
Por aqui, entre acontecimentos importantes e outros nem por isso, não temos tido um minuto de descanso. O exagero não enganará ninguém, uma vez que em geral durmo até às onze, enquanto a Pilar, a pé às sete, ou até antes, trata de pôr o mundo todo ao meu serviço. Hoje, ao levantar-me, encontrei-a com um sorriso de felicidade absoluta. Tinha conseguido colgar (neste momento não me lembro como se diz na nossa camoneana língua) no blog da Fundação o ensaio que publicaste na revista de estudos portugueses da Universidade de Massachusetts Dartmouth. Refiro-me a essa peça extraordinária a que deste o título de Do imemorial ou a dança do tempo. Os frequentadores do nosso blog, que já são muitíssimos, na ordem dos milhares, vão-se regalar como eu me regalei ao lê-lo.
Outro acontecimento, vá lá, de certa importância foi haver terminado A Viagem do Elefante. O livro já está em provas, quem até agora o leu, editores incluídos, gostou. Está claro que irei dar um desgosto aos que já andavam por lá a dizer, com falsa pena, que eu não escreveria mais nada. Teremos outro livro depois deste? É cedo para saber, ainda estou no rescaldo do Elefante, mas creio que não passarão muitas semanas para que me vejas novamente sentado à secretária, às voltas, sempre, com esse outro elefante de colmilhos retorcidos que é o bicho-homem.
E, finalmente, as célebres fotografias de Bruxelas. Vão juntamente com esta carta, mais umas palavrinhas que compus para o livro que está a ser organizado por Maria Manuel Baptista com vista ao congresso que sobre ti se realizará em Outubro na Fundação Gulbenkian. Espero que te divirtas.
Um grande abraço do teu
José Saramago

P.S. – Pilar e José enviam a Annie o mais carinhoso dos abraços e fazem votos por que tenha corrido bem a intervenção a que teve de ser sujeita.

José Saramago nasceu na aldeia de Azinhaga, Ribatejo, no dia 16 de Novembro de 1922. Filho e neto de camponeses, os seus pais emigraram para Lisboa quando ele não tinha completado dois anos. A maior parte da sua vida decorreu em Lisboa. Até à idade adulta foram numerosas e prolongadas as suas estadias na aldeia natal.
Fez estudos secundários (liceais e técnicos) que, por dificuldades económicas, não pôde prosseguir. O seu primeiro emprego foi como serralheiro mecânico, tendo exercido depois diversas profissões: desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor, jornalista. Em 1944, casa com Ilda Reis, mãe da sua filha Violante. Publicou o seu primeiro livro, um romance, Terra do Pecado, em 1947, tendo estado depois sem publicar até 1966. Trabalhou durante doze anos na Editorial Estúdios Cor, onde exerceu funções de direcção literária e de produção. Colaborou como crítico literário na revista Seara Nova. Divorcia-se em 1970 e, até 1986, viverá maritalmente com a escritora Isabel da Nóbrega. Em 1972 e 1973 fez parte da redacção do jornal Diário de Lisboa, tendo também coordenado, durante cerca de um ano, o suplemento cultural do vespertino. Pertenceu à primeira Direcção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, de 1985 a 1994, presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores. Entre Abril e Novembro de 1975 foi director-adjunto do jornal Diário de Notícias. A partir de 1976, e na sequência da saída do Diário de Notícias, passou a viver exclusivamente da escrita, primeiro como tradutor, depois como autor. Casou com Pilar del Río em 1988 e em Fevereiro de 1993 reparte o seu tempo entre a sua residência habitual em Lisboa e a ilha de Lanzarote, no arquipélago das Canárias. Em 1998 foi-lhe atribuído o Prémio Nobel de Literatura.
O ensaio de Eduardo Lourenço, mencionado por José Saramago («Do imemorial ou a dança do tempo»), foi publicado, em 2008, no número 7 da revista Portuguese Literary and Cultural Studies, da responsabilidade da Tagus Press e da Universidade de Massachusetts Dartmouth. O Acervo de Eduardo Lourenço possui 12 cartas de José Saramago. A primeira de 1966. A última de 2008.