Agostinho da Silva
(Porto, 1906-Lisboa, 1994)
CARTA VÁRIA XXXVI

Tanto se fala agora em São João Baptista de Ajudá que me apeteceu contar-vos rápido um episódio de minha vida no Brasil. No ano de 59 Eduardo Lourenço, que então ensinava filosofia na Federal da Bahia, visitou Santa Catarina e me disse tais coisas de seu Reitor Edgard Santos que vi ser ele a pessoa para tentar a criação em Salvador de um Centro de Estudos Africanos; pedi-lhe que fizesse as diligências oficiais de início e, pelos fins do ano, aceitou o Reitor a proposta e estava eu dirigindo o Centro, alargado, por sugestão da UNESCO, a Estudos Orientais; como, para a Universidade, o assunto era um pouco estranho, tive que passar meses bem discreto nas caves da Reitoria, a tempo em que, para justificar o vencimento, ensinava, na Escola a tal dedicada, Filosofia do Teatro, que ia inventando como podia, só em 61, com a eleição de Jânio Quadros, de quem fui consultor para a política de África, passando a ter plena liberdade de acção. Já, porém, pudera enviar como professor para a Universidade de Dacar o letrado e artista Pedro Moacir Maia, de tal maneira desempenhando ele a tarefa que levou Senghor a decretar o ensino de Português a nível de cursos secundários, o que felizmente se manteve e se alargou; para Ibadan, na Nigéria, seguiu o excelente antropólogo Vivaldo da Costa Lima. Quando em Agosto de 61, estalou em Ouida, no então Daomé, a crise do Forte, pedi a Costa Lima, também hábil diplomata, que fosse a Porto Novo e obtivesse do Governo lugar para o Brasil, com o qual o Benim sempre teve especiais relações, quando se pudesse reconstruir o quase inutilizado monumento. Com a crise política que se declarou no Brasil devido à renúncia do Presidente Jânio foi impossível prosseguir; quando, em 62, vim a Portugal tratar do Centro de Estudos Portugueses de que Darcy Ribeiro favorecera a criação na Universidade de Brasília, não deixei de propor a criação de um espaço luso-afro-brasileiro, o que foi recusado por motivos que não entendi – mas, na verdade, quem entende as razões e os caminhos da História? Parece que, quanto a Ajudá, está a ideia próximo a realizar-se, com a reconstrução do Forte pela Fundação Calouste Gulbenkian, com a aproximação de Salvador e Ouida, em que está empenhado o Prefeito Mário Kertész, e com o interesse do Benim por que se estabeleça rápida e eficazmente o ensino da Língua Portuguesa por mestres de Portugal, do Brasil ou de países africanos, já que é o Português língua de comunicação da O.U.A. [Organização de Unidade Africana]. Vai ir nos trinta anos o intervalo entre o primeiro projecto e a sua realização. Provavelmente, o mesmo tempo que levou a construir as Pirâmides do Egipto: Mas o importante é que elas lá estão; e para ficar.
7.3.87
Agostinho da Silva

George Agostinho Baptista da Silva nasceu no Porto em 1906. Conclui a licenciatura em Filologia Clássica, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com 20 valores. Em 1929, somente um ano depois de se licenciar, e quanto contava apenas 23 anos, defende a sua dissertação de doutoramento a que dá o título O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas.
Em 1931 parte como bolseiro para Paris, onde estuda na Sorbonne e no Collège de France. Após o seu regresso em 1933, lecciona no ensino secundário em Aveiro até ao ano de1935, altura em que é demitido do ensino oficial por se recusar a subscrever a lei que obrigava todos os funcionários públicos a declararem por escrito que não pertenciam a organizações secretas, entendidas como contrárias ao Estado Novo. No mesmo ano, consegue uma bolsa do Ministério das Relações Exteriores de Espanha e vai estudar para o Centro de Estudos Históricos de Madrid. Em 1936 regressa a Portugal devido à iminência da Guerra Civil Espanhola. É preso pela polícia política em 1943, abandonando o país no ano seguinte em direcção à América do Sul, passando pelo Brasil, Uruguai e Argentina.
Em 1947, instala-se no Brasil, onde vive até 1969. Em 1948, começa a trabalhar no Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro e ensina simultaneamente na Faculdade Fluminense de Filosofia. De 1952 a 1954, ensina na Universidade Federal da Paraíba em João Pessoa e também em Pernambuco. É um dos fundadores da Universidade Federal de Santa Catarina em Florianópolis, cria o Centro de Estudos Afro-Orientais e ensina Filosofia do Teatro na Universidade Federal da Bahia, tornando-se em 1961 assessor para a política externa do presidente Jânio Quadros. Participa na criação da Universidade de Brasília e do seu Centro Brasileiro de Estudos Portugueses no ano de 1962.
Regressa a Portugal em 1969, após a abertura política e cultural no regime protagonizada por Marcelo Caetano. Continua a escrever e a leccionar em diversas universidades portuguesas, dirigindo o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Técnica de Lisboa, e trabalhando como consultor do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. Em 1990, a RTP emitiu uma série de treze entrevistas com Agostinho da Silva, denominadas Conversas Vadias, em grande medida responsáveis pela apresentação do seu pensamento ao grande público. Agostinho da Silva morreu em Lisboa, em 1994.
O Acervo de Eduardo Lourenço possui 11 cartas de Agostinho da Silva, que vão de 1958 a 1991.