Luiza Nóbrega
(Fortaleza, Ceará)
Natal, 7 de Novembro de 2016

Caríssimo amigo

Transcorrido um ano desde nosso último encontro, só agora retorno àquele momento, em setembro passado. É que desde o final de 2015, quando voltei ao Brasil, até agora, quando lhe escrevo, o país foi surpreendido por um golpe e arrastado num tsunami devastador, que nos absorveu com uma força vertiginosa. E embora já o previsse também eu fui apanhada de surpresa, pois não o esperava com tamanha velocidade e em tais proporções. Sem nenhum exagero eu lhe digo que estamos em guerra, sob ataques sucessivos vindos do norte.
Mas a vida precisa continuar, e agora lhe escrevo para dar continuidade a alguns tópicos e enviar-lhe, com imenso atraso, os três ensaios que lhe prometi.
Mando-lhe “Moura Encantada”, que escrevi sobre o Memorial de Maria Moura, último romance de Rachel de Queiroz (com quem tive a boa sorte de conviver), ensaio publicado na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras. Este vai a propósito do trecho de nossa conversa em que o professor discorreu sobre a violência no México e a recusa do trágico pelos brasileiros, cuja violência derivaria, no seu entender, para o “conto de fadas” do Grande Sertão: Veredas, ou para o que o professor chamou transfiguração mítica, ressalvando-se Graciliano e Machado. E é precisamente essa transfiguração mítica no Memorial de Rachel que abordo no ensaio em que estudo a evolução de suas personagens até a criação da épica e trágica Maria Moura, arquétipo emblemático da mulher brasileira nordestina. Para sua complementação, acrescento o romance em causa, e a crônica “A Donzela e a Moura Torta” (Rachel, além de exímia narradora, era também excelente cronista), que de conto de fadas nada tem, e sim de horror, e cuja leitura breve é bastante para avaliar-se a violência do sertão nordestino brasileiro.
Seguem também dois ensaios camonianos:
“O Velho que não é do Restelo”, também publicado na Revista Brasileira da ABL.
“Uma Distração Implicativa: porque o consílio olímpico ofuscou o consílio submarino n’Os Lusíadas”, publicado no livro Por S’ Entender Bem a Letra: homenagem a Stephen Reckert, edição INCM, Lisboa.
Dizer-lhe ainda que começo a editar o vídeo com a entrevista que lhe fiz, em setembro/2015, e percebo que duas de suas respostas sugerem-me outras duas perguntas, a fazer-lhe quando aí estiver, o que espero seja em breve, talvez em fins desse novembro, ou início de dezembro.

O abraço afetuoso da sua amiga e leitora, que o autor de Esplendor do Caos definiu como “filha de dois mundos”.

Luiza
P.S. Peço-lhe a gentileza de entregar ao Nuno Júdice o exemplar que também envio, do meu Quero Ser o que Passa, com um estudo sobre a obra do extraordinário poeta Lêdo Ivo.
Luiza Maria Andrade Nóbrega é uma poetisa, escritora e artista plástica brasileira. É licenciada em Direito, mestre em Literatura Brasileira e doutora em Letras Vernáculas/Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Nova de Lisboa. É professora de Literatura e Artes Visuais no Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Como artista plástica, realizou diversas exposições no Brasil e no estrangeiro. Para além das actividades de ensino e pesquisa, Luiza Nóbrega publicou vários ensaios em revistas académicas e é investigadora no Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra e do Instituto de Estudos Portugueses da Universidade Nova de Lisboa. Publicou O Canto Molhado. Metamorfose d’Os Lusíadas: Leitura do Poema como Poema (Lisboa: AQVA/Publidisa, 2008); Quero Ser o que Passa: A Poesia de Lêdo Ivo (Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011); e No Reino da Água o Rei do Vinho: Submersão Dionisíaca e Transfiguração Trágico-Lírica d’Os Lusíadas (Natal: EDUFRN, 2013).