Ocasionais I, 1984 Lisboa, A Regra do Jogo
Não me lembro de outro que, em língua portuguesa, tenha sentido, como Eduardo Lourenço, a necessidade de fixar por escrito, projectando-o num universo riquíssimo de cultura, os acontecimentos que vão surgindo à nossa volta. […] Este livro é o primeiro que junta a série imensa dos seus escritos de ocasião “filho da circunstância mais do que de propósito longamente amadurecido levado a cabo com rigores jansenistas” – como o autor explica no prefácio a que chama, culpabilizado “Quase-justificação”

A projecção constante do histórico no cultural – que marca a actividade deste escritor quase até à obsessão – é fruto de uma formação tão visceralmente ligada ao mundo da produção das ideias que os acontecimentos lhe surgem já naturalmente envolvidos nessa “superestrutura”. Diria que, para Eduardo Lourenço, não há acontecimentos que não estejam marcados pela elaboração da cultura, como se ela fosse o pecado original da vida.

Que nessa atitude, Eduardo Lourenço, mantenha uma exemplar liberdade de espírito, constitui um desafio e, consequentemente, uma homenagem à sua inteligência, à capacidade que ela tem de conhecer e descobrir resistindo sempre à tentação de ficar prisioneira das suas próprias construções. […] A leitura destes ensaios dão-nos a medida da lacuna que ficaria se eles não tivessem sido reunidos e a preocupação maior sobre aqueles que o não venham a ser. Em todos eles, Eduardo Lourenço investe com o vigor da sua inteligência sobre temas maiores da aventura cultural contemporânea, em muitos deles com uma luz nova sobre alguns problemas – como em “Alexandria Ano Zero” onde se analisa o pensamento preocupante e desesperado de Cioran – pela primeira vez, em língua portuguesa se abordam temas essências da cultura”
António Alçada Baptista “Estrangeirados – um conceito a rever” in a tarde, nº573/II série, quinta-feira 23/8/84.